Vemos, ouvimos e lemos
Projeto cultural
Pedras angulares A teologia visual da belezaQuem somosPastoral da Cultura em movimentoImpressão digitalVemos, ouvimos e lemosLigaçõesBreves Arquivo

Leitura

O Padre - Do mistério ao ministério

«A sacramentalidade é uma dimensão nuclear da natureza e identidade sacerdotal, o traço mais específico que determina toda a sua ministerialidade. Proponho, em consequência, neste estudo clarificar e aprofundar o primado do ser em relação ao agir do presbítero e a correspondência entre o ser e o agir, vividos na espiritualidade litúrgica.

Partimos da expressão «do mysterium ao ministerium» utilizada pelo Papa João Paulo II na exortação pós-sinodal Pastores Dabo Vobis. Neste documento, o Papa apresenta as razões teológicas para a formação permanente dos presbíteros, como fidelidade ao ministério e como processo de contínua conversão mediante a maturação nas dimensões humana, espiritual, intelectual e pastoral. Por isso, define o presbitério como lugar de comunhão e crescimento, o qual tem «origem sacramental e se reflecte e se prolonga no âmbito do exercício do ministério presbiteral do mysterium ao ministerium»).»

Estas são as primeiras linhas de «O Padre: Do mistério ao ministério», (José Manuel Cordeiro), que a editora Pedra Angular se prepara para lançar este mês.

A obra divide-se em seis capítulos: «Justificação do estudo», «A sacramentalidade no actual Rito da Ordenação dos Presbíteros», «A ministerialidade na exortação apostólica pós-sinodal Pastores Dabo Vobis», «A termnologia sacramental e ministerial no actual Rito da Ordenação dos Presbíteros e na Pastores Dabo Vobis», «Linhas essenciais e fundantes da sacramentalidade e ministerialidade presbiteral» e «Para uma teologia do ministério presbiteral a partir da sacramentalidade».

O excerto que publicamos seguidamente corresponde ao quinto capítulo, na secção que se dedica aos «Meios para a espiritualidade do presbítero diocesano secular».

 

O ministério do Mistério

A unidade profunda entre o exercício do ministério e a vida espiritual dos presbíteros acontece, sobretudo, na vida sacramental, como servidores do Mistério. «Esse é o segredo do nosso ministério: realizar os sinais, sacramentos da presença e acção de Cristo ressuscitado. Isso exige de nós que acreditemos e saibamos que a Igreja é obra de Cristo ressuscitado e do Seu Espírito».

Com efeito, a oração de ordenação dos presbíteros apresenta os presbíteros como «fideles dispensatores mysteriorum», especialmente do Baptismo, da Eucaristia, da Reconciliação e da Unção dos enfermos. Uma expressão de um antigo livro litúrgico, o Liber Ordinum Episcopal de Silos: «ad docendum christi misteria» expressa bem a finalidade do ministério presbiteral nas funções docente e santificante, harmonizando a íntima relação entre a sacramentalidade e a ministerialidade. O ministério é, com efeito, para revelar a «economia do mistério» e «anunciar com ousadia do mistério do evangelho».

Também a terceira promessa se refere à celebração «mysteria Christi», principalmente ao sacrifício da Eucaristia e ao sacramento da Reconciliação.

Na celebração dos sacramentos, a Eucaristia ocupa o lugar central: «fonte e coroa de toda a evangelização» e «princípio, meio e fim do ministério sacerdotal». A ordenação acontece durante a Eucaristia. A prioridade cronológica pertence ao sacramento da Ordem, enquanto a prioridade ontológica pertence à Eucaristia culmen et fons de toda a acção da Igreja, incluída também a celebração da ordenação.

A Eucaristia é aquela celebração que o presbítero «com sublime e divina monotonia, deverá realizar todos os dias da sua vida, até que um dia da sua inteira vida será consumado naquele sacrifício, que ele celebrou cada dia».

O dom da Reconciliação é concedido pela mediação da Igreja através do ministério presbiteral. Os presbíteros são ministros, mas também beneficiários, tornando-se testemunhas da misericórdia de Deus pelos pecadores.

João Paulo II escreveu na exortação Reconciliatio et Paenitentia: «trata-se, sem dúvida, do ministério mais difícil e delicado, do mais cansativo e exigente; mas também de um dos mais belos e consoladores ministérios do sacerdote».

O exercício pastoral deste ministério exige, por parte do presbítero, a sabedoria, a ciência e a prudência necessárias, por meio de um estudo constante e oração a Deus, para que possa desempenhar uma função de Pai, revelando aos homens o coração do Pai e reproduzir a imagem de Cristo Pastor.

Ser servidor do Mistério é viver a liturgia, acção e celebração sacramental da graça, como fonte e fim do ministério presbiteral. A configuração a Jesus Cristo torna o presbítero na imagem do Bom Pastor, portador de uma identidade ontológica que se entende por tempo integral em toda a sua existência. Um caminho específico para a santidade só pode realçar a centralidade da espiritualidade que amadurece no serviço à Igreja, sendo, uma santidade no ministério e pelo ministério.

Na verdade todo o ministério ordenado é para:

renovar o sacrificio da redenção humana;
preparar o banquete pascal;
orientar o povo com diligente caridade;
alimentar o povo com a Palavra;
fortalecer o povo com os sacramentos;
dar a vida por Deus e pela salvação dos irmãos;
conformar a vida à imagem de Cristo;
dar testemunho constante de fé e de amor.

O desafio é, pois, do Mistério ao ministério vivido, fonte que jorra para a vida, sempre renovada no dom recebido pela ordenação sacramental.

 

A pastoral da Caridade

A unidade entre a vida e a actividade encontra na pastoral da caridade - a representação do Bom Pastor - o vínculo
da perfeição. A caridade reflecte-se em todo o rito da ordenação dos presbíteros e recorre constantemente na Pastores Dabo Vobis (...). Esta caridade pastoral penetra todo o exercício do ministério e constitui «a alma do ministério sacerdotal».

É ainda mais claro, se consideramos a passagem evangélica do lava-pés no contexto da preparação da última ceia e. mistério pascal; bem como o mandatum novum. Para Jesus, a única autoridade é o serviço.

A expressão privilegiada da radicalidade evangélica são «os conselhos evangélicos, que Jesus propõe no sermão da montanha (cf Mt 5-7) e, entre estes, os conselhos, intimamente coordenados entre si, da obediência, pobreza e castidade, a serem vividos na condição própria do presbítero diocesano secular.

A obediência «apostólica» define-se essencialmente a partir da escuta e disponibilidade radical para seguir o chamamento, na entrega total de si, como Cristo: «eis que eu vim, ó Deus, para fazer a tua vontade, como no livro está escrito a meu respeito». Ele foi o verdadeiro obediente. Tal obediência faz com que o presbítero «não se feche em si, nem se celebre a si mesmo, mas que esteja atento à vontade de Deus e depois se mostre disponível e disposto a fazer o que percebeu como exigência de Deus».

Para além da atitude de escuta, o candidato ao presbiterado, na própria celebração da ordenação, entrega a sua liberdade e compromete-se publicamente no ministério pastoral da Igreja onde o Bispo (ou o ordinário próprio ou o superior religioso) assumem a responsabilidade última.

A pobreza do presbítero, na sequela Christi que «certamente conheceis a generosidade de nosso Senhor Jesus Cristo: de rico que era, tornou-se pobre por causa de vós, para que vos torneis ricos, por sua pobreza» reclama que considere «os pobres e os mais fracos como a ele confiados de maneira especial, e ser capaz de testemunhar a pobreza com uma vida simples e austera, sendo já habituado a renunciar generosamente às coisas supérfluas».

É assim desejável, em razão do seu amor pastoral, que o presbítero, representação de Cristo e da Igreja, torne presente na história, a primeira das Bem-Aventuranças, na forma de austeridade e de solidariedade com os pobres.

O celibato é o dom de si, sinal da consagração do coração indiviso a Cristo e com Ele à Igreja, já celebrado na ordenação dos Diáconos, na promessa assumida mediante a pergunta do Bispo: «queres, como sinal do teu coração consagrado a Cristo Senhor, guardar perpetuamente o propósito do celibato por amor do reino dos céus, ao serviço de Deus e dos homens?»

O Sínodo de 1990 não deixou dúvidas «sobre a firme vontade da Igreja em manter a lei que exige o celibato livremente escolhido e perpétuo para os candidatos à ordenação sacerdotal no rito latino».

Tanto na homilia ritual, como na entrega do pão e do vinho, o que é ali proferido concretiza-se especialmente no celibato: «imita o que virás a realizar». Esta expressão sintetiza o núcleo da espiritualidade presbiteral baseada na liturgia, converter-se em imagem viva do mistério celebrado.

O princípio fundamental permanece inalterado: trata-se de viver o que se celebra, de tomar o ministério litúrgico como modelo, de assumir uma condição de oferecimento de si mesmo, de significar espiritual e asceticamente tão nobre missão. Esta é uma síntese da espiritualidade dos presbíteros baseada na liturgia.

Todavia, no ministério e na vida dos presbíteros existe o grande perigo de reduzir a sacramentalidade a mero funcionalismo ou activismo. Mas, «o funcionalismo é uma nova forma de clericalismo, porque isto é sempre esquecimento da sacramentalidade».

 

O ministério da Oração

A oração do presbítero tem uma tonalidade apostólica, em razão da caridade pastoral, o olhar de fé de um pastor que se sente responsável pela comunidade, sem esquecer a dimensão diocesana e universal do ministério.

A quarta promessa dos eleitos ao presbiterado consiste no cumprimento do «orandi mandato» sem desanimar e a oração de ordenação confirma este ministério da oração «pelo povo a eles confiado e em favor do mundo inteiro», como edificação da Igreja orante.

No apostolado e na vida de oração reconhecem-se os dois pólos da espiritualidade presbiteral. Mas, a oração é o vértice e a fonte da actividade pastoral. De facto, «a Igreja, na sua dignidade e responsabilidade de povo sacerdotal, tem na oração e na celebração da liturgia os elementos essenciais e primários da pastoral vocacional».

Daí que, «os presbíteros, unidos ao Bispo e a todo o presbitério, fazem também, dum modo especial, as vezes de Cristo Sacerdote e participam da mesma função, orando por todo o povo a eles confiado e pelo mundo inteiro. Todos estes desempenham o ministério do Bom Pastor; que roga pelos seus para que tenham a vida e sejam consumados na unidade. Na Liturgia das Horas, que a Igreja lhes propõe, não somente encontrarão uma fonte de piedade e alimento para a oração pessoal, mas também um meio de alimentar e desenvolver, pela riqueza da contemplação, a sua acção pastoral e missionária, para alegria de toda a Igreja de Deus».

A vida espiritual do presbítero deve, pois, alimentar-se da celebração da Liturgia das Horas e, quanto possível, convidar os fiéis para «a celebração comunitária das partes mais importantes da Liturgia das Horas, mormente nos domingos e festas».

Segundo a intenção da Igreja, a Liturgia das Horas é a santificação do dia e de toda a actividade humana e, ainda, é preparação para a celebração da Eucaristia e seu prolongar, dispondo para uma frutuosa celebração na fé, esperança, caridade, devoção e espírito de sacrifício.

Paulo VI convida os presbíteros, para que ao celebrar o ofício divino, «não se sintam obrigados unicamente por uma lei a observar, mas antes pela reconhecida e intrínseca importância da oração e da sua utilidade ascética e pastoral».

A Liturgia das Horas é fonte de verdadeira espiritualidade cristã e expressão da dinâmica orante da Igreja.

 

O seguimento de Cristo

A estrutura do ministério afecta de tal modo o presbítero, que requer a dedicação de toda a sua pessoa no seguimento total do mistério de Cristo e da Igreja. O dinamismo próprio da vocação presbiteral e o seu desenvolvimento gradual e concreto situa-se no «seguir e permanecer com Ele».

A quinta promessa dos eleitos ao presbiterado compromete à união com Cristo, Sumo Sacerdote, que «por nós Se ofereceu ao Pai como vítima santa», e com Ele consagrar-se a Deus para salvação dos homens.

O seguimento de Cristo pode ser vivido de formas variadas, mas é nas acções litúrgicas que Cristo está de modo especial presente. Por isso, «a liturgia é estar à volta da pessoa do Senhor, escutá-lo, falar-lhe, rezar-lhe, deixá-lo rezar por nós. Tudo isto que os Evangelhos referem de Jesus entre a gente é uma antecipação da liturgia e por sua vez a liturgia é uma continuação dos Evangelhos».

A formação permanente concretiza a centralidade de Cristo, este «estar com Cristo», e encontra o seu fundamento e motivação no dinamismo do sacramento da Ordem. A exortação diz, além disso, que a resposta inicial ao chamamento de Jesus, aquela do dia da ordenação, deve reafirmar-se ao longo dos anos do presbiterado e em numerosíssimas respostas, todas radicadas e vivificadas no «sim» da ordenação: «neste sentido pode falar-se de uma vocação "no" sacerdócío».

A formação permanente é também apresentada como fidelidade ao ministério e como processo de contínua conversão, exigência intrínseca ao dom e ao ministério recebido. Com efeito, a nada serve o "fazer" se falta o "ser com Cristo"».

O seguimento renova a configuração a Cristo Mestre, Sacerdote e Pastor, na vida de cada dia. Este iter é «um "segue-Me" que acompanha a vida e a missão do apóstolo. É um "segue-Me" que acompanha o apelo e a exigência de fidelidade até à morte, um "segue-Me" que pode significar uma sequela Christi até ao dom total de si no martírio».

Seguir Jesus Cristo é, para toda a Igreja, consequência da vocação à santidade nascida do Baptismo, mas principalmente «os bispos e os presbíteros sejam, em primeiro lugar, as testemunhas da santidade no ministério recebido em dom. Com a vida e o ensinamento mostrem a alegria de seguir Jesus, Bom Pastor, e a eficácia renovadora do ministério da sua Páscoa de redenção».

Nota: Não se transcreveram as notas de rodapé.

 

José Manuel Cordeiro
In O Padre - Do mistério ao ministério, ed. Pedra Angular
19.07.11

Capa

O Padre
Do mistério ao ministério

Autor
José Manuel Cordeiro

Editora
Pedra Angular

Páginas
188

ISBN
978-989-96145-5-0
























































.





























































































































































































 

 

Artigos relacionados

 

 

Página anteriorTopo da página

 


 

Subscreva

 


 

Mais artigos

Leitura
Imagem/Vídeo
Mais vistos

 

Secções do site


 

Procurar e encontrar


 

 

Página anteriorTopo da página