Música
Festival Terras Sem Sombra: diálogo entre o antigo e o contemporâneo
Famosa pelas suas condições acústicas, a igreja matriz de Santiago do Cacém recebe, no dia 23 de Janeiro, o concerto de abertura da 6.ª edição do Festival Terras sem Sombra de Música Sacra do Baixo Alentejo, com Jordi Savall e Pedro Estevan. É o ponto de partida para uma temporada que se estende até 8 de Maio e tem como objectivo o aprofundamento das relações entre a música antiga e a expressão artística contemporânea, segundo lembra o título escolhido: “Limites Imensos – A Contemporaneidade na Música Antiga”.
O Terras sem Sombra perfila-se hoje como o ciclo musical mais importante do Alentejo. A sua área de influência vai para além das fronteiras da região, atraindo espectadores de diferentes pontos do país e da vizinha Espanha. Para tal contribuem algumas marcas próprias do Festival, a começar pelo facto de que este se propõe traçar, numa linguagem sem elitismos, pensada para o grande público, uma “história da música”, subordinando cada edição a um capítulo do património musical.
Outro traço distintivo da iniciativa prende-se com o seu carácter itinerante. Ao invés de estar centrada numa terra, a programação abrange diferentes concelhos da região, escolhendo igrejas com relevância artística e musical. Cada espectáculo é antecedido por visitas guiadas e por uma palestra sobre a história e a arte do monumento.
Jordi Savall
Aliança das civilizações
Nascido na Catalunha, Savall é uma das personalidades musicais mais polivalentes da sua geração. Concertista, pedagogo, investigador, tornou-se um dos protagonistas da actual revalorização da música histórica. A participação no filme de Alain Corneau, Todas as Manhãs do Mundo (César para a Melhor Banda Sonora), a intensa actividade de concertos (cerca de 140 por ano), a discografia (seis gravações por ano), sem esquecer a criação da sua própria etiqueta, Alia Vox, provam que a música antiga nada tem de elitista.
Tangedor de cabaça e acompanhante. Século XIV. Igreja matriz de Santiago do Cacém.
O concerto que abre a edição de 2010 representa um passo de gigante na evolução do Festival. Conseguir trazer Jordi Savall a Santiago do Cacém, quando se sabe que ele trabalha com uma agenda a longo prazo e é muito rigoroso na selecção dos eventos para os quais é convidado, exigiu persistência e diplomacia.
Colaborador habitual de Savall e Figueras, Pedro Estevan estudou no Conservatório Superior de Música de Madrid e em Aix-en-Provence, onde frequentou o Curso de Percussão Contemporânea e Africana com o senegalês Doudou Ndiaye Rose. Aprofundou também a técnica de “hand drums” com Glen Velez. Foi membro fundador da Orquestra das Nuvens e do Grupo de Percussão de Madrid. Músico eclético, dedica-se principalmente à música antiga e contemporânea. É professor de Percussão Histórica na Escola Superior de Música da Catalunha.
Frade espatário. Século XIV. Igreja matriz de Santiago do Cacém.
Savall e Estevan, peritos na recuperação de sonoridades esquecidas, assinalam o ponto de partida de um programa ambicioso. O seu recital, fruto de muitos anos de investigação musicológica, privilegia o diálogo Oriente-Ocidente, pondo em confronto “músicas antigas” e “músicas do mundo”. Das tradições sefarditas da Argélia e da Turquia às “danças do vento” e “das espadas” dos berberes e às melodias litúrgicas do Ocidente medieval (Itália, Castela, Leão), um percurso de vários séculos relembra a identidade do Grande Mediterrâneo, ponto de encontro do Judaísmo, do Cristianismo e do Islão em torno de uma herança comum. Algo que faz todo o sentido numa iniciativa destinada a unir a arte de dois senhores da música ao património religioso do Baixo Alentejo, também ele alvo de intenso esforço de resgate nos últimos anos.
Igreja matriz de Santiago do Cacém. Foto: Câmara Municipal de Santiago do Cacém
O interesse pela aliança das civilizações manifesta-se em toda a arquitectura do Festival, que aposta forte no cruzamento de tendências artísticas diversas, sem preconceitos, mas assumindo, como em edições anteriores, grande preocupação com a coerência e a qualidade das propostas apresentadas. Existe uma aposta na valorização das grandes correntes da música sacra, associando-a à redescoberta das igrejas do Baixo Alentejo enquanto espaços de referência para a identidade do território. Esta opção põe em destaque uma realidade que não olha só para o passado e continua a ter papel importante na cultura dos nossos dias. O fio condutor da iniciativa assenta no diálogo com os criadores do presente, agentes fundamentais para dar voz a um conjunto de vivências hoje muitas vezes esquecido (ou silenciado).
Descobrir o património musical e artístico
Resultante da parceria do Departamento do Património Histórico e Artístico da Diocese de Beja com a Arte das Musas, o Festival Terras sem Sombra é dirigido, desde a primeira hora, por José António Falcão e Filipe Faria. Os espectáculos, de acesso livre, visam a formação de novos públicos e a abertura de igrejas de notável valor, algo fundamental numa região em que estas lacunas eram gritantes.
Atingida a maturidade, o Festival permanece fiel à sua vocação – dar a conhecer os grupos portugueses mais qualificados, com um especial atenção para os jovens intérpretes –, mas não descura a internacionalização.
05.12.10
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