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Córdula - ou o momento decisivo

Que é que o cristão deve ser? Alguém que empenha a sua vida pelos irmãos, porque ele próprio deve a sua ao crucificado. Mas que pode ele, seriamente, dar aos irmãos? Não apenas coisas visíveis; a sua dádiva - o que a ele próprio foi dado - mergulha nas realidades invisíveis de Deus. «Vós morrestes e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus» (Colossenses 3,3). Se pensasse poder tornar visível e dar tudo o que ele é, o cristão ter-se-ia feito mera superfície e nada mais de profundo teria para dar. Há coisas que pode dar e mostrar; mas não se encontram no campo em que é habitual delinear a Igreja visível: culto, festas, sacramentos, ofícios sagrados. São antes sementes da vida divina que, transportadas por estes canais, deverão florescer nos cristãos.

É difícil expressá-las em conceitos porque, mais do que uma realidade expressável, são um perfume que emana de Deus. «Somos o bom odor de Cristo... » (2 Coríntios 2,15). Paulo transcreve com muitos nomes o jardim do amor, que aqui e agora começa a florescer: «Terna compaixão, bondade, humildade, mansidão, paciência, perdão recíproco... paz de Cristo..., sobretudo a caridade» (Colossenses 3,12-15). E ainda: «Caridade, alegria, paz, longanimidade, benignidade, fidelidade, mansidão, temperança...» (Gálatas 5,22), onde é importante advertir que, logo a seguir à caridade, vem a alegria, e que dela devem derivar todos os modos da caridade, do perdão, como reflexo daquilo que foi dado aos cristãos por Jesus (Colossenses 3,13) e, portanto, por Deus (Efésios 4,32-5,2), «como oferta e sacrifício de agradável odor a Deus» (ibid., 5,2). «Alegrai-vos! Que a vossa bondade seja conhecida por todos...Por nada vos deixeis inquietar» (Filipenses 4,4-6).

Alegria na fraqueza, fraqueza sem preocupação, na qual se torna visível uma misteriosa superioridade. Por detrás das bem-aventuranças do Sermão da Montanha para os mansos, os misericordiosos, os pacíficos, os pobres, por detrás das instruções para não retribuir as ofensas e não resistir, depois da ressurreição do Senhor como fonte que tudo alimenta, jorra a alegria. Estêvão morre na alegria, vê os céus abertos. Paulo quer morrer na alegria e convida todos a alegrarem-se com ele (Filipenses 2,17-18). Consciente do céu aberto, do centro patente de todas as coisas, o cristão, mesmo na vida ordinária, vive de uma fonte que nunca se esgota, que brota da própria profundidade de Deus e através dele mana para a vida eterna (João 4,14). No amor que flui, Deus pronunciou um sim definitivo a tudo, e nós devemos e podemos responder com o nosso ámen irrevogável (2 Coríntios 1,18-20), numa afirmação serena, absoluta, da existência, que não precisa nem de jogar com Nietzsche a carta decisiva, nem também com Bloch, já que o presente é o ainda-não, de se arrojar utopicamente ao futuro.

Nada existe de negativo além do pecado, que, todavia, é transportado no coração do Senhor. Todo o sofrimento, mesmo a mais sombria noite da cruz, está sempre envolvido numa alegria - talvez não sentida - mas afirmada, conhecida na fé. É esta, em última análise, a alegria que impele Córdula a sair do bojo do barco. (...)

Se se perguntar qual o resultado definitivo do último Concílio (e o resultado depende também de nós), então ele deveria ser este. Já o dissemos: exposição indefesa da Igreja ao mundo. Demolição dos bastiões; os baluartes aplanados em vales. E tal sem segundas intenções de um novo triunfalismo, depois de o antigo se ter tornado impraticável. Não se pense que, depois de os corcéis da Santa Inquisição, do Santo Ofício, terem sido eliminados, se poderá entrar na Jerusalém celeste montando o pacato burro da evolução entre o agitar dos ramos de palmeiras. (...)

O cristão deve tentar, sempre de novo, determinar o seu lugar, para rectamente poder orar e agir. Encaminha-se para os seus irmãos partindo de Deus e, com os irmãos, olha para Deus. No caminho de Cristo, portanto. Não apenas no caminho do mundo para Deus. Mas a curva que Jesus percorre não é calculável porque, no meio, está plantado o abismo de cruz, inferno, ressurreição. Também a curva do cristão se não pode calcular. Pode, por isso, abandonar toda a preocupação e deixar-se inserir por Deus na fraqueza.

Que ele, enquanto homem entre os homens, colabore de modo solidário e por dever com todos na comum obra presente e futura, é natural e não há necessidade de tal recordar ou até enaltecer. «Se alguém não quer trabalhar também não coma» (2 Tessalonicenses 3,10). Exaltar expressamente a «abertura ao mundo» dos cristãos é supérfluo, porque eles próprios são uma parte do mundo e devem comportar-se simplesmente como qualquer outro.

Só que os cristãos são, ademais, algo de diferente, que se não pode encaixar no «mundo». Trazem, de facto, o testemunho do amor sempre maior de Deus e, se quiserem, irradiam este amor no mundo. O seu mandato é atestar, se necessário com a morte, que o amor é superior à morte, é vida eterna.

 

Hans Urs von Balthasar
In Córdula - ou o momento decisivo, ed. Assírio & Alvim
25.06.13

Capa

Córdula

Autor
Hans Urs von Balthasar

Editora
Assírio & Alvim

Ano
2009

Páginas
128

Preço
€ 9,00

ISBN
978-972-371-455-5













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