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Poesia

O "Lugar de Estudo" de Fernando Echevarria

Começa na velhice a erguer-se um halo
de acolhimento. Promete,
não só indulgência, mas também um sábio
silêncio, de onde se difunde e deve
a auscultação desenvolver o pálio
de outro silêncio mais profundo. Que ergue
a escuta a um ponto, cada vez mais alto,
que, com maior intensidade, tende.
Terá esse exercício força de hausto?
Ou será padecê-lo que protege?
O certo é que a velhice encontra os anos.
E os anos sabem a fecunda messe
de estudos que, mesmo inacabados,
a outros estudantes se oferecem.

 

 

A escuta cresce por dentro
de estar atenta a escutar.
Traz um agudo silêncio
a estender cada vez mais

o seu domínio. Que a escuta,
arraigada, polariza
de forma a serem só uma
operação. Mais ainda,
uma unidade profunda
onde sofrê-la se activa.
Ou há um silêncio de escuta
onde só a escuta domina.

E aquilo a escutar
punge o grande sofrimento
da alegria, que se vai
na escuta recrudescendo.

 

 

A penúria da língua é a sua força.
Reconhecendo nela a indigência
mais o apuro se empolga
e a submissão empolga a subtileza
do espírito, dado à obra
e a mais nada que não seja ela.
De aí que se desenvolva
uma abertura hiante de surpresa
que pede língua cada vez mais nova
e de mais adequada obediência.
Ou, se quiserem, língua peremptória.
Porque, vinda do fundo da pobreza,
entrega apenas quanto falta. E torna
a sua falta uma abertura imensa,
indigitando o extremamente fora,
cuja ausência feliz se nos entrega.

 

 

Por trás do céu há o céu inteligível.
E, por trás deste, um céu aberto
a abrir-se ainda, sem qualquer limite,
mas puxando após si o pensamento.
Ou, se quiserem, o feliz requinte
de alargarem a paz a um céu inédito
onde o reino profundo do invisível
funda o visível no fecundo aspecto
de ímpeto. Lume imperioso. Riste
abrindo a um novo assunto de silêncio.
E através do silêncio silencia-se
o assunto. Apenas o incremento
do ímpeto se abstrai ao eco do que disse
para o luto do dito abrir assento
a um penúltimo cume. A um trampolim de
invisível a ir pelo invisível dentro.

 

 

Não cabe em nome algum. O que lhe demos
apenas dele nos diz quanto nos falta.
Que nomear é reduzir a objecto
de submissão quem alicerça a dádiva.
E a dádiva o que dá é um dar aberto.
Partindo de um recuo de distância
irradia, a nome algum sujeito
ou, se algum se lhe der, é o que o afasta
da precisão estrita de conceito.
Então só resta que uma escuta de alma
se intensifique para abrir-nos dentro essa profundidade inominada
a dar somente para o sempre imenso.
E desse imenso se divulga a flama,
não só invisível, mas também efeito
da pungência feliz da sua falta.

 

 

Estamos graves a ir
por esse longe que vem
ao nosso encontro. E assim
ir e vir resumem ver
como vai sendo feliz
o tempo que o tempo tem.
Mas o tempo tem-se a si
somente quando refém
da palavra que o diz.
Dizê-lo deixa-o, porém,
exposto a um vento sem fim,
que venta sem fim. Amen.

 

 

Promontório de Deus. De onde Ele se ausenta.
Só nos deixando a grande nostalgia
na sua massa espessa.
Que abre distância de recuo assídua
e alarga a inteligência
por uma busca quase que festiva.
Ou mais, talvez, por uma via tensa
de júbilo e sentido. E, até, sofrida
na sua panda activação de vela.
Que vai sofrendo e activando a vinda
da invisibilidade, da surpresa
inominada, que procura ainda
seu nome peremptório. Mas nomeia
essa distância a distanciar-se implícita.
Ou promontório de onde Deus se ausenta
para auscultarmos sua face viva.

 

 

Com Deus. E vivos. E andando sempre
ao sol. À chuva. E ainda ao vento.
Vivos, escutam. Nem sente
a aura oculta do seu corpo aceso
que à volta difundem e dispendem
como dispendem o conhecimento.
Que conhecer é reunir a febre,
o frio e o silêncio
num todo indivisível que só serve
a intimidade de sofrer o peso
do mundo, da intempérie.
E aquilo que eles trazem desde dentro.
E, desde dentro, emerge
de modo à tez iluminar o vento,
quando passarem quase a si se esquece,
embora punja em os estarmos vendo.

 

 

Estão com Deus. E, do fundo
de estarem ali, vem vindo
a grande escuta. Aí tudo
especifica o seu vínculo.
O mar instrui no marulho
sua imagem. Como o rio
a sua traça no fluxo
figurado do sentido.
Na grande escuta abre o mundo 
o silêncio. E abre um sítio
onde só reina o estudo
aberto ao reino do espírito.
E com Deus aberto, ao fundo
de estarem ali ouvindo.

 

Fernando Echevarría
In Lugar de Estudo, ed. Afrontamento
04.01.10

Capa

Lugar de Estudo

Autor
Fernando Echevarría

Editora
Afrontamento

Ano
2009

Páginas
282

Preço
€ 15,20

ISBN
978-872-36-1018-5

 

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