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Teatro

Breve sumário da história de Deus

Um breve sumário da história de Deus levado à cena no Teatro Nacional São João do Porto, quase a findar 2009…

Um momento também, para nos surpreendermos com o enunciado. De facto, é muito desproporcional. Da palavra imensa que é “Deus”, com tudo o que evoca e ainda mais o que adivinha, à limitação de semanas, em espaço definido. Espaço cenograficamente “concentrado” e em penumbra na maior parte do tempo breve, até irromper o tempo todo, abrindo-se a luz e finalmente a porta.

Valha-nos o facto do espaço nos integrar a nós, actores ou espectadores, com a natureza de novo imensa de cada um. Encontramos então o arco em que tudo acontece, de imenso a imenso, através das mediações do espaço e do tempo. Aqui, agora, num teatro do Porto.

Quase só o génio de Gil Vicente nos podia situar assim, tão desmedidamente afinal. Conhecemo-lo: de auto em auto, lá desfilam todos e a tratar de tudo. Figuras celestes, as mais sublimes, e retratos terrestres, os mais comezinhos, dignos ou risíveis. Trechos de ritual, até nalgum latim da escrita, e apontamentos do linguajar corrente, como se não estranhava ainda nos serões da corte.

Já com razões modernas, de cristianismo reformista, em que Mestre Gil se dizia e comprometia; e conservando ainda a integralidade medieval de culto e cultura, em que tópicos bíblicos e lugares da altura se encontravam bem numa ambiência só, misturando figuras dos dois Testamentos com gente contemporânea do autor e acontecimentos de “actualidade”.

Cena

Mas a história era “de Deus” e brevemente sumariada. Como se fosse possível e como Gil Vicente acreditava ser. – Donde a ousadia? Vivo hoje, responderia apenas: – Creio assim! O seu cristianismo traz a religião para a história humana, como acontece. Não parte da eternidade para a história, reconhece na história o sinal que a alarga. E, precisamente, no que haja de mais circunstancial e episódico, também mais autêntico.

É por isso que nos faz rir ou chorar e nunca nos deixa indiferentes, meio milénio depois. É de nós que Gil Vicente trata, como se nos conhecesse já. Ou melhor, porque já nos conhecia, naquilo que transportava em si da humanidade comum. Por isso é um humanista de primeira e é primeiramente um humanista, situando-se naquela verdade que no sumário de cada ser humano se distende infindamente, como em Deus.

Cena

Deus faz-se história porque encarna, sabia-o Gil Vicente. E faz-se breve, sumaria-se, porque, vivendo inteiramente cada momento, aí mesmo realiza a sua integralidade. Sua e nossa, porque de relação se trata: criação, queda e recriação, de Adão a Cristo, tudo se re(con)duz, quando Adão somos nós. O resto da história também nos pode sumariar brevemente. Mas só quem o sabe o vive e só quem o vive o sabe e pode dizer escorreitamente, como Gil Vicente aqui.

Como Nuno Carinhas e os seus colaboradores e actores o retomam espectacularmente agora, sumariando-se também. Num trabalho de profunda e só assim belíssima coincidência com a escrita e a alma do mestre dos autos de el-rei.

Cena

Tudo fica breve, porque mais seria excesso. Tudo fica dito, porque basta para entrever. Da história de Deus, abrindo eternidade no tempo, só se pode falar como entrevisão. E assim é arte. Espantosa ocasião de nos espantarmos de nós. Entre figuras e sentenças, Gil Vicente reencontrou-nos. Na mesma história afinal.

Por alguns dias, num teatro do Porto, o breve sumário de tudo.

«Breve Sumário da História de Deus» ficará em cena no Teatro Nacional de São João, no Porto, até 20 de Dezembro. A 8 de Janeiro sobe ao palco em Lisboa, no Teatro Nacional de D. Maria II, onde poderá ser visto até ao fim do mês.

 

 

 

D. Manuel Clemente
Bispo do Porto, Presidente da Comissão Episcopal da Cultura, Bens Culturais e Comunicações Sociais
29.11.09

Breve sumário da história de Deus

 

 

 

 

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