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Meditar no presépio com os cinco sentidos (2): A luz

O Natal mergulha-nos no mistério da incarnação. Uma ocasião para meditar com base nos cinco sentidos. «Marcados pelo pensamento grego e a sua tendência para depreciar a carne, espiritualizamos depressa demais os acontecimentos, e temos medo da dimensão carnal dos textos bíblicos. No entanto, é assumindo a humanidade que se acede à divindade de Deus por Cristo, Deus feito homem», explica o padre jesuíta Noël Couchouron.

Santo Inácio propõe que a pessoa se coloque a um canto da cena do nascimento de Jesus «como um pobre», dispondo os sentidos para se deixarem impressionar por aquilo que acontece, como uma película fotográfica», acrescenta o religioso. A cena, com a sua decoração e personagens, pode de tal maneira imprimir-se na pessoa, ao entrar pela «porta dos sentidos», que a maneira de ser e de agir no quotidiano deixar-se-á, aos poucos, transformar.

Deixe-se guiar por esta meditação sobre o presépio com um cozinheiro, uma iluminadora, um pastor, um músico e uma cuidadora, que centram a atenção no gosto, na visão, na audição, no odor e no toque.

 

Luz: o presépio brota das trevas e volta a dar vida ao mundo

A visão é um sentido muito solicitado pelo presépio, que se reconstrói a cada ano. Magdeleine Leroux, iluminadora, convida a olhar os jogos de sombras e de luz, a obscuridade da noite, a iluminação das velas, o brilho dos anjos presentes em Belém.

A noite está avançada; os pastores mal distinguem o caminho através das pedras, ao pálido clarão da Lua e das estrelas. Ele conduz a Belém, essa povoação de David onde deverão encontrar um menino enfaixado numa manjedoura. Indicações muito sóbrias para uma cena que não é banal. Mas onde se encontra esse estábulo. Estes pobres não a procuram por muito tempo. Ela surge-lhes repentinamente, na sinuosidade de um caminho, à entrada da povoação mergulhada na obscuridade. Uma luz.

«O Natal é isto. Uma luz que brota das trevas, não há nada de mais puro.» Uma lâmpada na noite que brilha num estábulo sem porta.

O jogo de luzes faz passear sombras dançantes na palha que brilha como ouro, e ilumina, ó maravilha, o rosto adormecido de um recém-nascido pousado numa grande manjedoura. Ao início, só o veem a Ele. Minúsculo rosto um pouco avermelhado, um pouco enrugado, envolvido por um pano branco, como aquele que, anos depois, o recolherá.

«A criança de peito é tão pobre como o desfalecido, nu, vulnerável, frágil», contempla Magdeleine Leroux. «Deus incarna-se na espessura da nossa humanidade, naquilo que ela tem de mais pungente.»

Depois os pastores veem, à sua direita, Maria, que envolve o Menino. A que se assemelha esta jovem parturiente? «Ela é, sem dúvida, daquelas que passam desapercebidas. Mas cuja presença nunca se esquece», imagina.

À esquerda, um homem mais velho, S. José, «de presença reconfortante», que se mantém como um alicerce, um pilar». Mas ele parece ser tomado pela sombra, da qual mal se destaca, servidor discreto e fiel.

Atrás deles, um boi e um burro deitados, de grandes olhos doces e calmos, com um ar nada espantado.

A cena está repleta de uma candura doce e luminosa. Longe das representações açucaradas do presépio, «falsidade que oculta o sofrimento e tanto o amplifica», onde as personagens são congeladas em posturas solenes e teatrais, o presépio, tal como o vê Magdeleine Leroux, evoca uma iluminura pela sua casta simplicidade.

«Vejo uma cena de repouso, de grande bondade. José e Maria, cujos corpos, em torno a Jesus, formam como um côncavo onde Jesus está incarnado. Neste pequeno casulo, sinto-me em minha casa, como quando, de regresso de um dia nos cuidados paliativos durante o qual vi morrer pessoas, entro numa igreja e, não tendo força para canta, detenho-me simplesmente nessa presença. Ao contemplar esta cena tão simples, tenho o sentimento de voltar a casa, de reencontrar a Igreja, minha mãe, e de pousar a minha cabeça no seu peito.»

Neste quadro sem detalhe, nada que afague o olhar, nada de bonito, mas uma cena de uma perfeita castidade, no sentido de que não atrai o olhar para si, mas condu-la para um mistério que resplandece em silêncio.

«Quando se desenha, há tantas coisas a dizer, tem-se o desejo de encher em demasia. Ao contrário, é preciso retirar. Numa iluminura, as partes vazias são as mais importantes.»

O presépio, como uma iluminura, na sua absoluta pobreza, oferece, na sua contemplação, «a alegria pura e infantil, um desejo de viver, de chorar de alegria».


 

Pauline Quillon
In Famille Chrétienne
Trad.: Rui Jorge Martins
Imagem: D.R.
Publicado em 09.10.2023

 

 
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