Diz-me o calendário que o décimo-primeiro mês se inicia com o dia de todos os santos (sobretudo daqueles que perderam o rosto na nossa memória ou foram tão discretos que nem se aperceberam da sua santidade).
Há quem pense na santidade como um sinónimo de contínua perfeição. Nada mais errado. Afinal, o primeiro santo assim proclamado foi um ladrão ou malfeitor, talvez um assassino, cuja entrada no Paraíso resultou, apenas, do pungente reconhecimento dos seus erros um pouco antes de morrer. Cristo, também na cruz, assim lho garantiu, transformando o instrumento de suplício na chave que abriu e abre aos malfeitores deste mundo (nós!) os portões do Jardim do Éden.
A nossa exigência - se de exigência se trata - é tantas vezes maior que a d'Ele. Colocamos pesos sobre os nossos ombros, que se alargam à nossa face e se transformam em máscaras. Mais frequentemente, sobrecarregamos os ombros alheios, ao recusarmos o confronto com as nossas "asneiras", refletindo-as nos nossos semelhantes.
Nem todos teremos virtudes heroicas. (A mim, faltam-me por completo... Como muita gente, digo a cada passo que «não sou nenhum santo»... E é plenamente verdade.) Se tivermos, todavia, o "heroísmo" da admissão das nossas falhas, nem que seja no último momento, é pelos vistos meio caminho andado...
Um querubim, que guardava o Éden, opôs-se tenazmente à entrada do criminoso. Acabou, no entanto, por lhe dar entrada, quando viu o sinal da cruz. Tal se conta num belíssimo drama nascido na tradição oriental e traduzido magnificamente por Joaquim Félix de Carvalho (“O ladrão e o querubim”, ed. Pedra Angular), onde a dado passo se proclama:
«Ladrão e vós todos, entrai!
Ele abriu a porta diante de vós!»
Foi um facínora que nos abriu o Paraíso. Dá que pensar...
