O prémio Árvore da Vida, atribuído este sábado pela Igreja católica no festival de cinema IndieLisboa a uma película portuguesa, distinguiu na edição de 2018 o filme "Russa", dos cineastas João Salaviza e Ricardo Alves Jr.
O júri, coordenado pelo P. José Tolentino Mendonça e composto por Olívia Reis e João Pedro Vala, considera que a curta-metragem de 20 minutos é um «filme fascinante e urgente que ficará a marcar o cinema contemporâneo».
A declaração dos jurados começa por salientar que «a implosão de duas torres de habitação social no bairro do Aleixo no Porto, que serviu tanto à agenda política como mediática para continuar uma leitura apressada e rasa do real», foi para os realizadores «o ponto de partida de um intensíssimo exercício de auscultação daquele que é porventura o custo mais silenciado neste tipo de processos: o custo humano».
«Os jornais desses dias construíram manchetes do tipo: “Implosão no Bairro do Aleixo efetuada com sucesso”. O filme “Russa”, ao contrário, escolhe falar do fracasso», assinala o texto para a 15.ª edição daquele que é considerado um dos mais importantes festivais de cinema independente de Portugal.
O documentário-ficção realizado em 2018 «não é um simples filme-denúncia», porque o modo como «acompanha o fim de semana de liberdade condicional de uma mulher a cumprir uma pena de prisão, narrando o seu reencontro com o vazio deixado pelas torres implodidas, torna-o numa inesquecível reflexão sobre a luta e a paixão pela sobrevivência».
«Aqui a vida pobre não é estetizada, mas os pobres são olhados como protagonistas, na sua sensibilidade e memória, na sua resiliência frágil e desmedida, no desenho sussurrado da sua dor ou no contagiante relato da sua alegria», refere a declaração, que a seguir evoca uma dos conceitos-chave do pontificado de Francisco.
João Salaviza (Lisboa, 34 anos), vencedor da Palma de Ouro para curta-metragem no festival de Cannes ("Arena", 2009) e do Urso de Ouro para curta-metragem no festival de Berlim ("Rafa", 2012), e Ricardo Alves Jr. (Belo Horizonte, Brasil, 35 anos) «levam o cinema até às periferias e mostram como esse encontro de fronteira permite ao cinema reencontrar-se consigo mesmo».
É por estes motivos que o júri, «com entusiasmo», escolheu "Russa" para o prémio Árvore da Vida, no valor de dois mil euros, atribuído pelo Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura.
Os jurados decidiram ainda conceder uma menção honrosa a “Bostofrio, où le ciel rejoint la terre”, de Paulo Carneiro, «maravilhoso objeto» que «explora as possibilidades que o cinema tem para revelar as identidades submersas, sejam elas singulares ou coletivas».
No documentário de 70 minutos, igualmente produzido em 2018, Paulo Carneiro assina «um impressivo retrato de Portugal», abrindo o espetador «de forma meticulosa e comovida à visão das entranhas de um país em grande medida por reconhecer».
O galardão principal foi entregue pelo diretor do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura, José Carlos Seabra Pereira.
O prémio Árvore da Vida é atribuído a um dos filmes selecionados pela organização do IndieLisboa para a secção da Competição Nacional, que têm, maioritariamente, estreia mundial no festival.
Os jurados concedem o prémio a um filme que privilegie valores espirituais e humanistas, a par das qualidades cinematográficas da obra.
Além de distinguir e apoiar financeiramente um(a) cineasta português, o galardão procura sensibilizar os agentes da evangelização e cultura para a linguagem da Sétima Arte, continuando a relação de décadas que a Igreja católica tem estabelecido com o cinema.