Evocação
«Cesária Évora foi uma criação de Deus»
«Cesária Évora foi uma criaçāo de Deus. Ela é a parábola viva da história de um povo. Nascida há 70 anos, em tempo de fome na sua terra, situaçāo grave e crítica que, na altura, forçou milhares de caboverdianos a emigrar para Senegal, esta grande mulher, artista, nāo obstante o mar de dificuldades e contrariedades da existência, soube reencontrar-se, e reencontrar um rumo para a sua vida.»
Com estas palavras o embaixador de Cabo Verde em Roma, Dr. José Eduardo Barbosa, abria no domingo 22 de janeiro, a sessāo evocativa da «diva dos pés descalços». Recordava assim o objetivo daquele «ato da comunidade: interceder e agradecer ao Criador a alma singela, que, de maneira divinal, divulgou a cultura, a música, a naçāo e se empenhou na luta contra a fome no mundo». O ato constou de sessāo solene, missa e confraternizaçāo.
Convocados pela embaixada, instituições da comunidade, Movimento Tra Noi e capelania, para assinalar o primeiro mês de falecimento, caboverdianos e seus descendentes, italianos, portugueses e outros, reuniram-se na Igreja do Santíssimo Redentor, na rua Sicilia, para uma missa solene. A eucaristia foi concelebrada pelos padres António Monteiro e Rui Pedro, e animada pelo coro litúrgico Nossa Senhora do Rosário de Fátima, que cantou em português e crioulo. Além dos representantes da embaixada, religiosos e religiosas de Cabo Verde e Portugal, marcaram presença dirigentes e membros de todas as associações de imigrantes caboverdianos, músicos e outras entidades da comunidade em Roma.
Durante a eucaristia o P. António Monteiro, caboverdiano, dirigindo-se a uma assembleia na sua maioria composta por mulheres empenhadas no trabalho doméstico e de apoio a idosos e doentes, frisou que, «tal como saudosa Cesária levou Cabo Verde pelo mundo, assim também as mulheres imigrantes caboverdianas com suas famílias têm sido excelentes embaixadoras da cultura de Cabo Verde e fé em Jesus Cristo, pois sāo muitos a constatar o bom percurso de integraçāo social e religiosa» que, desde há quase cinquenta anos, a comunidade testemunha em Itália: em Roma, Nápoles, Palermo, Torino, Milano e Génova, entre outros.
Durante a sessāo evocativa também tomou a palavra, em nome da dezena de associações caboverdianas, a dirigente Ângela Spencer. De forma apaixonada, exaltou a condiçāo da mulher migrante – africana, māe, trabalhadora e transmissora de valores - em Itália apelando para que, inspiradas pelo exemplo de “Cise”, se continue a luta pela dignificaçāo profissional e defesa dos direitos da mulher, pela justiça na remuneraçāo e tratamento, pela participaçāo cívica e integraçāo dos descendentes italo-caboverdianos para que todos - primeira, segunda e terceira gerações - encontrem seu lugar na sociedade italiana e no hodierno Cabo Verde.
Foi em julho do ano passado a última passagem de Cesária pela “cidade eterna ” para um inesquecível concerto que reuniu milhares de caboverdianos e simpatizantes de todas as nacionalidades. O seu testemunho de vida e música do mundo continuará a ser companhia fiel para muitos migrantes no superamento das dificuldades que os africanos enfrentam na busca de acolhimento, justiça, igualdade e trabalho digno. Ou, como disse, depois de assembleia ter cantado com emoçāo “Sodade”, um jovem orgulhoso da sua cultura e religiāo: «Cantar, nāo obstante tudo, para que o sonho de Deus continue a embalar, como uma morna, nossas vidas e nossa comunidade em êxodo pelo mundo!».
Manuel da Silva
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02.02.12
Cesária Évora