Naquele tempo, Jesus foi conduzido pelo Espírito ao deserto, a fim de ser tentado pelo Diabo. Jejuou quarenta dias e quarenta noites e, por fim, teve fome. O tentador aproximou-se e disse-lhe: «Se és Filho de Deus, diz a estas pedras que se transformem em pães». Jesus respondeu-lhe: «Está escrito: “Nem só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus”». Então o Diabo conduziu-o à cidade santa, levou-o ao pináculo do templo e disse-lhe: «Se és Filho de Deus, lança-te daqui abaixo, pois está escrito: “Deus mandará aos seus anjos que te recebam nas suas mãos, para que não tropeces em alguma pedra”». Respondeu-lhe Jesus: «Também está escrito: “Não tentarás o Senhor teu Deus”». De novo o Diabo o levou consigo a um monte muito alto, mostrou-lhe todos os reinos do mundo e a sua glória, e disse-lhe: «Tudo isto te darei, se, prostrado, me adorares». Respondeu-lhe Jesus: «Vai-te, Satanás, porque está escrito: “Adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele prestarás culto”». Então o Diabo deixou-o, e aproximaram-se os anjos e serviram-no.
Mateus 4, 1-11
Outras leituras do dia: Génesis 2, 7-9 – 3, 1-7; Salmo50 (51), 3-4. 5-6a. 12-13. 14 e 17; Romanos 5, 12-19 ou Romanos 5, 12. 17-19
As três tentações indicam três caminhos que o mundo propõe sempre, prometendo grandes sucessos, três caminhos para nos enganar: a avidez da posse – ter, ter, ter –, a glória humana e a instrumentalização de Deus. São três caminhos que nos hão de perder.
Papa Francisco
A santidade é um caminho que se percorre dia após dia, e não uma meta que torna insignificante a vida terrena quotidiana. É percurso que não torna as pessoas “heróis” aos olhos do mundo, mas que, pelo contrário, conduz muitas vezes à marginalização. Como aconteceu à Beata Giovanna Maria Bonomo, mística e monja que viveu no século XVII, considerada como louca pelo seu percurso que a conduziu ao coração de Deus. Nasceu em Asiago, Itália, em 1606, e desde 1612, órfã de mãe, cresceu e foi educada pelas Clarissas de Trento. Nesta comunidade queria viver a sua vocação, mas o pai opôs-se. Vencida a resistência do progenitor, entrou em 1621 no mosteiro das beneditinas de Bassano. Durante longo tempo teve experiências místicas que não foram aceites e compreendidas pelas irmãs da comunidade. Morreu em 1637.
Matteo Liut, Avvenire
© Siân Davey
Ao longe os barcos de flores
Só, incessante, um som de flauta chora,
Viúva, grácil, na escuridão tranquila,
- Perdida voz que de entre as mais se exila,
- Festões de som dissimulando a hora.
Na orgia, ao longe, que em clarões cintila
E os lábios, branca, do carmim desflora…
Só, incessante, um som de flauta chora,
Viúva, grácil, na escuridão tranquila.
E a orquestra? E os beijos? Tudo a noite, fora,
Cauta, detém. Só modulada trila
A flauta débil… Quem há de remi-la?
Quem sabe a dor que sem razão deplora?
Só, incessante, um som de flauta chora…
Camilo Pessanha
Lagares, Felgueiras | FCC Arquitectura | © Fernando Guerra | FG + SG |
Sobressaindo desde logo pelo subjetivismo oblíquo em contraste com a tradição lírica nacional e pela vertigem encantatória do discurso alusivo, a escrita de Camilo Pessanha, nascido a 7 de setembro de 1867 e falecido a 1 de março de 1926, caracteriza-se, entre outros aspetos, pela musicalidade ao nível do jogo fónico rítmico dos versos, que se vê acompanhada pela música como lei estrutural da composição global do poema (especialmente nos rondós), a par da iluminação recíproca das palavras pela sua simples proximidade. A linguagem do autor de “Clepsidra” privilegia poucas áreas semânticas, desde o fenomenismo que tudo reduz a aparências, a imagens transientes, ao monadismo de seres contingentes, até inquietação religiosa, cuja incompleta rasura transparece na recorrência das vozes litúrgicas.
José Carlos Seabra Pereira
“Três tentações de Cristo” | Sandro Botticelli | 1481-82
Tudo pode ser transformado em penedos de preconceitos e de animosidade, bloqueando caminhos entre pessoas, nações, culturas e religiões. Ponhamos finalmente termo ao tempo assassino de “atirar pedras”, removamos essas pedras da paisagem do nosso “mundo cada vez mais pequeno”! Aquele que traz a salvação não pode chegar aos muitos Zaqueus de hoje que o esperam, enquanto esses pedregulhos continuarem a barrar-lhe o caminho. Trata-se de uma tarefa muito urgente.
Tomáš Halík