Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «O Filho do homem tem de sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos príncipes dos sacerdotes e pelos escribas; tem de ser morto e ressuscitar ao terceiro dia». E, dirigindo-Se a todos, disse: «Se alguém quiser seguir-Me, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz todos os dias e siga-Me. Pois quem quiser salvar a sua vida, tem de perdê-la; mas quem perder a vida por minha causa salvá-la-á. Na verdade, que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se vier a perder-se ou arruinar-se a si próprio?».
Lucas 9, 22-25
Outras leituras do dia: Deuteronómio 30, 15-20; Salmo 1, 1-2. 3. 4 e 6
A humildade cristã. É aquilo que Jesus fez primeiro. Pensemos em Jesus que está diante de nós, que nos guia por essa estrada. Esta é a nossa alegria e esta é a nossa fecundidade: andar com Jesus. Outras alegrias não são fecundas, pensam somente, como diz o Senhor, em ganhar o mundo inteiro, mas no fim conduzem a perder-se e a arruinar-se a si próprio. No início da Quaresma, peçamos ao Senhor que nos ensine um pouco deste estilo cristão do serviço, da alegria, do aniquilamento de nós próprios e de fecundidade com Ele, como Ele o deseja.
Papa Francisco
Filosofia, teologia e oração são a expressão daquela contínua busca que move os seres humanos para o encontro com o transcendente, com o Deus de Jesus Cristo. Uma busca que tem na poesia uma linguagem privilegiada, fascinante, profundamente humana e divina. Hoje a Igreja recorda um testemunho que soube conciliar todos estes aspetos numa vida de ascese e mística: S. Gregório de Narek, teólogo oriental e poeta, voz fundamental da literatura arménia. Nascido na Arménia em 950, tornou-se monge e abade, vivendo nos mosteiros de Narek, hoje na Turquia, onde se dedicou também ao ensinamento. Morreu em 1005. A 21 de fevereiro de 2015 o papa Francisco confirmou a decisão da Congregação para as Causas dos Santos de lhe atribuir o título de doutor da Igreja.
Matteo Liut, Avvenire
És tu quem perseguimos pelos lábios
e tens em equilíbrio os seres e o tempo
És tu quem está nos começos do mar
e as nossas palavras vão molhar-te os pés
Tu tens na tua mão as rédeas dos caminhos
descem do teu olhar as mais nobres cidades
onde nasceram os primeiros homens
e onde os últimos desejarão talvez morrer
Tu és maior que esta alegria de haver rios
e árvores ou ruas donde serem vistos
Por ti é que aceitamos a manhã
sacrificada aos vidros das janelas
aceitamos por ti o sol ou a neblina
que faz dos candeeiros sentinelas
É para ti que os pensamentos se orientam
e se dirigem os passos transviados
e o vento que nos veste nas esquinas
És sempre como aquele que encontramos
diariamente pela rua fora
e a pouco e pouco vemos onde mora
Só tu é que nos faltas quando reparamos
que os papéis nos vão envelhecendo
e os dias um por um morrendo em nossas mãos
És tu que vens com todos os versos
És tu quem pressentimos na chuva adivinhada
quando os olhos ainda se nos fecham
embora o sono nunca mais seja possível
É tua a face oposta a todas as manhãs
onde o tempo levanta ombros de espuma
que deixam fundas rugas pelas faces
Os céus contam contigo é para teu repouso
a terra combalida e sem caminhos
Ser indecomponível teu corpo foi maior
que vítimas e oblações. Quando tu vens
a solidão cai leve como a flor do lírio
e as aves nos pauis levantam voo
e há orvalho em teus primeiros pés
Não assistisses tu a esta nossa vida
caíssem-nos os gestos ou quebrados ou dispersos
e nenhum rosto decisivo um dia fecharia
todas as palavras com que dissemos os versos
Ruy Belo
Catedral de Nossa Senhora da Assunção e S. Nicolau | Galway, Irlanda, Capital Europeia da Cultura 2020 | Kleber Seidel/Bigstcok.com
Nascido a 27 de fevereiro de 1933, Ruy Belo inicia se com um ou outro poema em publicação colectiva (1955), mas revela se verdadeiramente em 1961 com “Aquele Grande Rio Eufrates”, já com peculiar fôlego de «Narração» evocativa em longos versos e longos textos, com um estilo intensamente dialógico e uma presença das realidades circundantes que o tornarão ponte entre os anos 60 e 70. A lírica de Ruy Belo é obra de ardor amoroso e pudor erótico, de oscilação entre ironia e elegia, de inquietação religiosa e inconformismo ético social (com matriz na tenção católica conciliar), em busca de uma sabedoria trágica e do resgate da condição de ser para a morte (e das suas tematizações existencialistas) por uma conquista de dignidade personalista. É uma poesia dramática (de “Os Poucos Poderes...”) pelo agónico sentimento de perda na errância da vida e pela tensão de uma resposta ética de “Homem de Palavra(s)” às «Imagens vindas dos dias» e de uma espiritualidade empenhada perante “O Problema da Habitação” (1962) no desconcerto de um mundo injusto e absur¬do, representativa das tensões do catolicismo no ciclo conciliar e no convulso contexto português dos anos 60/70. Faleceu a 8 de agosto de 1978.
José Carlos Seabra Pereira
“Anunciação” | Álvaro Pires de Évora | 1430-1434
Vela para que só Deus e nada mais opere na tua inteligência e na tua vontade. Tenta destruir a consciência das realidades inferiores a Deus, as quais deves afastar para muito longe, calcando-as sob a nuvem do esquecimento.
Anónimo (“A nuvem do não-saber”)