Quando observamos um fragmento de terra, damo-nos conta dos vários estratos geológicos, e somos também capazes de dizer: este demorou mil anos a sedimentar, aquele quinhentos, outro dez.
Toda a realidade é transformada pelo incomensurável efeito do tempo: quer seja um minúsculo seixo ou uma montanha grandiosa, tudo tem a sua chave indispensável no tempo.
Também nós somos trabalhados, instante após instante, pelos seus instrumentos. E o tempo passa entre nós de uma maneira por vezes tão delicada, que nem sequer nos damos conta; outras vezes, atormenta-nos, assedia-nos, tortura-nos com a sua voracidade.
Nós somos duração e, como escreve o poeta francês Paul Éluard, «duro desejo de durar». Ou seja, trazemos em nós a memória e a presença de tempos muito diferentes, e tudo isto, por muito que nos custe integrá-lo em nós, é um dom.
Conhecer-se é tomar consciência de todos estes tempos que coexistem dentro de nós, inclusive no seu contraste. É preciso, por isso, afastar de nós a tentação da idealização, ou do cinismo, e aceitar que somos feitos de materiais muito diferentes.
Compreender como tudo isso é, no fundo, não só a matéria da vida, mas a consistência da própria vida, aproxima-nos de um horizonte de amadurecimento, de autenticidade e de sentido. Muito mais do que o quanto não cremos, a beleza é uma sabedoria que nos pertence.