A obra "Teorbas brancas", do P. Joaquim Félix, da Arquidiocese de Braga, editada nestes dias, sucede a "Teorbas dos "tempos" (2024). Neste volume, como no primeiro, são publicadas quarenta e uma homilias, quase todas inéditas.
O livro oferece reflexões em torno a domingos do tempo comum e festas do Senhor. A organização, tal como em "Teorbas dos tempos", atende à sequência litúrgica, não ao ano civil. Por outro lado, um dos parâmetros da seleção dos textos determina que não se contemplem todos os domingos, havendo casos em que o autor publica mais do que uma homilia para a mesma celebração, em anos sucessivos.
Apresentamos um excerto do Prefácio, assinado pela teóloga brasileira Maria Clara Bingemer.
Prefácio
Maria Clara Bingemer
A homilética não seja considerada apenas uma área da teologia, mas uma área de estudos transdisciplinares em si mesma, é o que parece que se pode inferir deste livro que o leitor tem em mãos e que recolhe várias homilias pronunciadas pelo autor – o Padre Joaquim Félix de Carvalho.
O próprio autor é alguém com uma trajetória de vida e de estudos transdisciplinar. Ao mesmo tempo em que fez estudos acadêmicos avançados, sendo doutor pela respeitada Universidade de Santo Anselmo em Roma, exerce sua docência inseparavelmente de sua pastoral e de sua atividade litúrgica. Na docência mesmo, interage com vários públicos, desde seminaristas, sacerdotes e religiosos, até jovens alunos de escolas e leigos que são ativos no trabalho pastoral.
Assim, vemos refletido nas homilias que compõem esse belo livro a personalidade do autor que é inseparavelmente acadêmico e pastor. E mais ainda, acadêmico, pastor e artista, não estando a arte – da palavra, da poesia e da música – em nenhum momento ausente daquilo que escreve tendo como matéria prima o cotidiano das pessoas.
Ao mesmo tempo, o Padre Joaquim está longe de ser um presbítero que solitariamente elabora conteúdos que serão depois entregues aos muitos rebanhos dos quais como pastor é responsável. Reflete-se luminosamente em seu livro sua preocupação de pastor com seu povo, que sendo destinatário das homilias que pronuncia é ao mesmo tempo seu autor. A autoria neste caso é coautoria, a arte é antes de tudo recebida de Deus, que é musa, inspiração e possibilidade de que a pregação aconteça e cumpra sua missão e a aventura para a qual existe.
O próprio autor disserta sobre a metáfora dessa palavra tão forte quanto bela: teorba. Relata seus possíveis significados de origem, trazidos por diferentes autores. Um deles é turbante, o pano amarrado à cabeça que nas culturas árabes e semitas é constantemente presente, envolvendo e protegendo do sol causticante dos desertos e dos verões inclementes. Mas há outro igualmente bonito e que instiga a imaginação e a abertura ao belo: tábua. E aqui o autor identifica a tábua de que fala com aquela onde os perfumistas moíam as essências e as ervas aromáticas.
Turbante, tábua de perfumes, o certo é que os textos das homilias aqui recolhidos nos trazem um grato odor, que provém da Palavra escutada e ruminada na interioridade, feita pregação para o povo que navega sedento de beleza, de graça e de luz.
O Padre Joaquim procura estar totalmente aberto à inspiração e à ação do músico que toca as teorbas. E ele as classifica como brancas. Em um dos capítulos explica a eleição desta cor. Radica-se na importância que lhe parece ter o que chama de «pergunta branca». Ele a considera decisiva e explica porquê. «Porque, mais do que nunca, hoje é imprescindível escutar os outros, inclusive a multidão anónima, nos dizeres dissonantes em que, por vezes, há passos de aproximação a Jesus».
As homilias então se propõem igualmente a isso: escutar, algo tão fundamental sobretudo em uma Igreja que se deseja sinodal, como propôs o Papa Francisco. A escuta inclusive da multidão anónima, dos dizeres dissonantes pode ajudar a descobrir os rastros de Deus. A grande poeta brasileira Adélia Prado escreve em um de seus poemas: «A poesia é o rastro de Deus na brutalidade das coisas». Nessa brutalidade anônima e dissonante vai ressoar a pergunta branca, que as teorbas brancas vão escutar e responder.
Por fim, o livro não deixa esquecer nem por um minuto que homilética e liturgia estão inseparavelmente entrelaçadas na teologia que o compõe. O autor é apaixonado e estudioso da liturgia. Com ela trabalha desde sempre, e transparece em seu texto o amor que por ela tem. De fato, se para a ética é filosofia primeira, a liturgia é selada por essa primogenitura quando da teologia se trata. Primeira instância da tradição cristã, tudo que no Cristianismo foi crido e formulado nas verdades da fé, foi antes celebrado. A liturgia é o lugar da intuição, do afeto, da beleza, da revelação primeira do mistério.
As Teorbas Brancas que intitulam esse belo livro foram tocadas sob a inspiração do Artista maior, do Mistério Santo que é origem sem origem de todas as coisas cuja melodia somos chamados a escutar. Mas igualmente o Sopro do Espírito que a tudo move nos enche as narinas do perfume divino que diz que a autocomunicação de Deus perpassa a todos e a todas as coisas. Mesmo a brutalidade das coisas, os odores não identificáveis, os ruídos dissonantes.
Capa | D.R.