Estamos a deixar, ainda que contratempos, para trás das costas a pandemia que nos manteve cativos durante mais de um ano, e descobrimos em nós um desejo prepotente de viajar. Abrem-se também diante de muitos de nós os meses nos quais tradicionalmente se vai de férias, e portanto aprestamo-nos a “partir” afastando-nos do quotidiano, do nosso trabalho, da residência habitual.
Há muita pressa… no entanto, para fazer uma viagem verdadeira e fecunda é preciso reservar tempo, dar-se tempo, e não ter medo da lentidão. Viajar requer a consciência do movimento que se faz, não pode ser uma corrida, e portanto é preciso colocar o acento no “fazer estrada, fazer caminho”, para poder ver e sentir e saborear e discernir aquilo que é bom e belo e aquilo que é mau feio e mau. Caminhando abre-se caminho, segundo a extraordinária expressão de António Machado.
Uma verdadeira viagem tem origem misteriosamente na nossa “psiqué”, onde se acende a curiosidade graças a diversos impulsos: uma palavra, uma imagem, uma recordação, um amor, um perfume… Então nasce o desejo de partir, decide-se e projeta-se a viagem: sozinhos, para apreciar na solidão aquilo que a viagem pode reservar a quem a empreende, ou juntamente com outros, para poder viver juntos emoções e aventuras. Mas é importante, ao viajar, deixar lugar ao não-esperado, à surpresa, ao encontro com alguém que nos faz modificar o itinerário. Mesmo se há uma meta a alcançar, o viajar é mais importante que a meta.
Por isso a bagagem deve ser reduzida ao mínimo, ligeira, essencial, uma bolsa na qual meter aquilo que é indispensável para vestir-se e para a saúde, dispondo-se assim a acolher aquilo que é oferecido pelos lugares em que viajamos. Quem quer levar consigo demasiadas coisas do seu quotidiano nunca viajará bem, como o caracol que leva consigo a sua casa.
Na viagem encontram-se contradições, incidentes, e nem tudo acontece como tínhamos previsto, mas estas situações estimulam criatividade, espírito de adaptação, perseverança. Aquilo que na viagem é mais importante são as emoções diferentes do habitual: maravilha, descoberta, encontros com desconhecidos, encantos, contemplações… Nada se repete, enquanto na nossa memória acumulamos imagens, sons, palavras, perfumes e cores que nunca mais nos deixarão e que, do profundo do coração, ressurgirão quando, mesmo a anos de distância, sobretudo quando idosos, recordarmos essa viagem.
Se se está atento e vigilante, viajar torna-se um encontro com o mundo, que se oferece a nós através da profusão dos sentidos. Não é só olhar, ainda que olhar seja a primeira operação da viagem, mas é mergulhar-se nos odores e nos perfumes, é intersetar sons e gritos, é comer a saborear o mundo. Viajar é um exercício de sensualidade, porque um corpo que se move entre os corpos é o olho que encontra a luz, é o ouvido que perceciona a colocação do outro, é o tato que sente o frio ou o calor, enquanto os pés tocam a terra numa relação viva, numa sensação nunca igual, de que não restam vestígios.
Digo sempre aos jovens como conselho: parti, viajai, não tenhais medo, e sobretudo mantende ligeira a vossa bagagem, assim podereis ir longe. Aliás, o meu pai dizia-me: «Passa fome, mas viaja e compra livros!». Na consciência de que cada viagem, se for vivida com inteligência, é um livro da biblioteca da vida.