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Se quisesse agradar às pessoas, não seria servidor de Cristo

O apóstolo Paulo começa a escrever a sua Carta [aos Gálatas] recordando-lhes os relacionamentos passados, o mal-estar pelo afastamento e o imutável amor que nutre por cada um deles. Não deixa também de fazer notar a sua preocupação para que os gálatas continuem a seguir o caminho certo: é a preocupação de um pai, que gerou as comunidades na fé. O seu intento é muito claro: é necessário reiterar a novidade do Evangelho, que os gálatas receberam da sua pregação, para construir a verdadeira identidade sobre a qual se deve fundar a existência de cada um. Isto é o princípio: reiterar a novidade do Evangelho que os gálatas receberam dele.

Descobrimos de imediato que Paulo é um conhecedor do mistério de Cristo. Desde o início da sua Carta não segue as bases argumentativas utilizadas pelos seus detratores. O apóstolo “voa alto” e indica, também a nós, como nos comportarmos quando se criam conflitos dentro da comunidade.

Com efeito, só para o fim da Carta é explicitado que o nó da diatribe suscitada é o da circuncisão, portanto, da principal tradição judaica. Paulo opta pela via de aprofundar mais a questão, porque o que está em jogo é a verdade do Evangelho e a liberdade dos cristãos, que dele é parte integrante. Não se detém na superfície dos problemas, dos conflitos, como muitas vezes somos tentados a fazer para encontrar de imediato uma solução que origina a ilusão de colocar todos de acordo com um compromisso. Paulo ama Jesus e sabe que Jesus não é um homem de compromissos.



O chamamento comporta sempre uma missão a que estamos destinados; por isso é-nos pedido que nos preparemos com seriedade, sabendo que o próprio Deus nos envia e apoia com a sua graça



Não é assim que funciona com o Evangelho, e o apóstolo optou por seguir o caminho mais difícil. Escreve assim: «É talvez o consenso dos homens que procuro, ou o de Deus?». Não procura fazer a paz com todos. E continua: «Ou procuro agradar aos homens? Se procurasse agradar aos homens, não seria servidor de Cristo!».

Em primeiro lugar, Paulo sente o dever de recordar aos gálatas que é um verdadeiro apóstolo, não por mérito próprio, mas pelo chamamento de Deus. Ele mesmo narra a história da sua vocação e conversão, coincidente com a aparição de Cristo ressuscitado durante a viagem para Damasco. É interessante observar o que afirma da sua vida anterior àquele acontecimento: «Perseguia ferozmente a Igreja de Deus e devastava-a, ultrapassando no judaísmo a maior parte dos meus coetâneos e compatriotas, encarniçado como estava em sustentar as tradições dos pais».

Paulo ousa afirmar que ele, no judaísmo, superava todos, era um verdadeiro fariseu zeloso, «irrepreensível quanto à justiça que deriva da observância da lei». Por duas vezes sublinha que tinha sido um defensor das «tradições dos pais» e um «convicto apoiante da lei».



Vemos que Paulo é livre, livre para anunciar o Evangelho e também livre para confessar os seus pecados. Ele era assim. A verdade que dá a liberdade do coração, a liberdade de Deus



Por um lado, insiste em sublinhar que tinha ferozmente perseguido a Igreja e que tinha sido um «blasfemo, um perseguidor, um violento»; ele próprio qualifica-se assim, não poupa adjetivos. Por outro, evidencia a misericórdia de Deus em relação a ele próprio, que o conduz a viver uma transformação radical, bem conhecida de todos. Escreve: «Não era pessoalmente conhecido pelas Igrejas da Judeia que estão em Cristo; tinha apenas ouvido dizer: “Aquele que antes nos perseguia, agora anuncia a fé que em tempos queria destruir”». Converteu-se, mudou o coração.

Paulo coloca assim em evidência a verdade da sua vocação através do impressionante contraste que foi criado na sua vida: de perseguidor dos cristãos, porque não observavam as tradições e a lei, foi chamado a tornar-se apóstolo para anunciar o Evangelho de Jesus Cristo. Vemos que Paulo é livre, livre para anunciar o Evangelho e também livre para confessar os seus pecados. Ele era assim. A verdade que dá a liberdade do coração, a liberdade de Deus.

Repensando na sua história, Paulo enche-se de maravilha e reconhecimento. É como se quisesse dizer aos gálatas que poderia ter sido tudo, menos um apóstolo. Foi educado desde criança para ser um observante irrepreensível da lei de Moisés, e as circunstâncias tinham-no conduzido a combater os discípulos de Cristo. Todavia, algo de inesperado aconteceu: Deus, com a sua graça, tinha-lhe revelado o seu Filho morto e ressuscitado, para que ele se tornasse seu anunciador entre os pagãos.



O primado da graça transforma a existência e torna-a digna de ser posta ao serviço do Evangelho. O primado da graça cobre todos os pecados, muda os corações, muda a vida, faz-nos ver caminhos novos



Como são imperscrutáveis os caminhos do Senhor! Tocamo-lo com a mão a cada dia, mas sobretudo se repensarmos nos momentos em que o Senhor nos chamou. Nunca devemos esquecer o tempo e o modo como Deus entrou na nossa vida: manter fixado no coração e na mente esse encontro com a graça, quando Deus mudou a nossa existência.

Quantas vezes, diante das grandes obras do Senhor, surge espontaneamente a pergunta: como é possível que Deus se sirva de um pecador, de uma pessoa frágil e fraca, para realizar a sua vontade? No entanto, não há nada de casual, porque tudo foi preparado no desígnio de Deus. Ele tece a nossa história, a história de cada um de nós, e se correspondermos com confiança ao seu plano de salvação, damo-nos conta disso.

O chamamento comporta sempre uma missão a que estamos destinados; por isso é-nos pedido que nos preparemos com seriedade, sabendo que o próprio Deus nos envia e apoia com a sua graça. Deixemo-nos conduzir por esta consciência: o primado da graça transforma a existência e torna-a digna de ser posta ao serviço do Evangelho. O primado da graça cobre todos os pecados, muda os corações, muda a vida, faz-nos ver caminhos novos. Não o esqueçamos.


 

Papa Francisco
Audiência geral, Vaticano, 30.6.2021
Fonte (texto e imagem): Sala de Imprensa da Santa Sé
Trad.: Rui Jorge Martins
Publicado em 08.10.2023

 

 
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