«Ele é uma presença que tranquiliza. Eu estou ao pé dele e sinto-me um bocado mais calmo. Eu sempre fiquei encantado com o modo como ele consegue cruzar a cultura, a ideia de Deus, juntando a isso uma tolerância relativamente a incréus como eu.»
O escritor Ricardo Araújo Pereira foi um dos amigos do P. Tolentino Mendonça que marcou presença na noite desta quarta-feira na capela do Rato, em Lisboa, numa sessão em que foram lidos poemas do próximo bibliotecário da Santa Sé.
«Tive a sorte de conhecer o P. Tolentino quando eu estava ainda na universidade - ele era capelão da Católica e eu conheci-o nessa altura, por intermédio de uma amiga. Mais tarde ele casou-me e, entretanto, eu não sou muito próximo, mas tem havido alguma proximidade», acrescentou o humorista.
Ricardo Araújo Pereira foi uma das personalidades que aceitou o desafio lançado em 2010 pelo P. Tolentino, enquanto responsável pela capela do Rato, para falar no ciclo "Deus: questão para crentes e não crentes".
Referindo-se às funções que iniciará a 1 de setembro, no Vaticano, o escritor expressou desde já uma firme intenção: «Vou perguntar-lhe como é que consigo arranjar cartão de leitor da biblioteca que ele vai dirigir. Não sei se consigo meter uma cunha, mas vou tentar». E acrescentou: «É possível que lá haja humor, sobretudo escondido, talvez...».
Ricardo Araújo explicou, ainda, o poema do P. Tolentino que leu durante a sessão: «Escolhi um poema que se chama "La Repubblica", sobre um anúncio que eu imagino que ele tenha visto no jornal "La Repubblica". É um poema-piada, não sei se se pode dizer assim, os brasileiros têm essa designação mas eu não sei se ele ficaria contente se eu lhe chamar assim».
«É um anúncio de uma marca de produtos capilares que não só promete coisas milagrosas, tal como Deus, ao nível do cabelo, como reclama saber quantos cabelos é que nós temos na cabeça, tal como Deus, mais uma vez. É um pouco inquietante que uma marca farmacêutica tenha duas características que nós costumamos associar a Deus», referiu.
Pedro Mexia, por seu lado, escolheu "Brideshead revisited", poema que evoca um dos livros e séries televisivas favoritas do escritor, publicado no primeiro livro de Tolentino Mendonça, "Os dias contados".
O assessor cultural do presidente da República comentou a partida para o Vaticano do futuro arcebispo: «Embora as pessoas sejam relativamente insubstituíveis, ao contrário do que se costuma dizer, o importante são as sementes que foram sendo lançadas nos últimos anos e que já configuraram, de certa forma, a maneira como a Igreja e o mundo da cultura se relacionam, que é hoje muito mais distendida, muito mais dialogante».
Esse relacionamento «não se trata de uma característica exclusiva do trabalho do P. Tolentino: teve muito a ver com uma curiosa aproximação que se deu no papado de Bento XVI - curiosa porque ao mesmo tempo era um papa que tinha muitos anticorpos, mas que no mundo intelectual e entre os artistas suscitou alguma inesperada boa vontade».
«Julgo que essas sementes, quer ao nível da Igreja em geral quer ao nível da Igreja em Portugal foram lançadas. É evidente que ele nos vai fazer falta aqui em Portugal, mas esse movimento já está em marcha, e eu acho que não vai voltar atrás», observou Pedro Mexia.
Para o P. José Tolentino Mendonça, a comunidade da capela do Rato, de que é responsável até à tomada de posse do sucessor, o P. António Martins, a 29 de julho, lembra «a realidade do cristianismo do mundo contemporâneo».
«Mesmo quando parecemos que somos muitos, não podemos esquecer que somos uma pequenina comunidade, e uma comunidade que é, como diz o papa Francisco, uma espécie de hospital de campanha, de portas abertas, capaz de acolher as perguntas, as dúvidas, as dores, as feridas, as alegrias, e fazer isso de uma forma muito simples, através da escuta, da Palavra de Deus e da pregação, através da oração comum uns pelos outros, e num clima de grande hospitalidade, ao jeito das comunidades primitivas cristãs. É uma simplicidade, associada ao facto de aqui ser tudo muito pobre em termos de meios, do espaço, que faz ressoar alguma coisa de original e de evangélico», declarou.
«Desde sempre o diálogo entre a fé e a cultura, entre as artes contemporâneas e o sagrado, entre a beleza e a liturgia, entre a literatura e as artes e as linguagens do anúncio foram preocupações muito grandes desta comunidade. E sentimos que, de facto, precisamos de novas palavras para dizer e viver o mistério. E à sua maneira, com toda a despretensão, porque é mesmo assim, esta comunidade tem sido um laboratório de experiências, de tentativas, de escuta, de novos caminhos; e isso parece-nos que, à nossa pequenina escala, é muito significativo», concluiu.
No fim da sessão, o P. Tolentino Mendonça agradeceu a presença dos amigos que encheram a capela do Rato para escutar as cerca de 25 personalidades que leram alguns dos seus poemas e textos: «Sinto-me uma obra dos outros».