«A nossa vida não é um confinamento, mas uma dilatação do coração!», previne logo para começar a Ir. Ana Samuel, monja dominicana. «A clausura é a resposta a um apelo. Ela permite-nos dar espaço e tempo à busca exclusiva de Deus», concorda a Ir. Benedita, beneditina, que retoma a fórmula de Francisco de Sales: «Não somos uma companhia de prisioneiros».
O nosso retiro forçado tem alguns traços comuns com a vida monacal. «Chega a acontecer não sairmos da cerca do mosteiro durante meses», relata o Ir. António, cisterciense. E se os religiosos escolheram o seu modo de vida, não escolheram os seus companheiros de aventura. «Há na nossa vida uma parte de imposição e uma parte de escolha que não deve ser combatido», explica a Ir. Mireille, prioresa de uma comunidade protestantes.
«Se este tempo de confinamento é imposição, podemos em parte escolher como o viver.» Eis algumas pistas.
Apanhar o ritmo
«Ao princípio, tinha a impressão de estar num comboio em andamento onde nada é deixado ao acaso», recorda-se o Ir. António. Ofícios litúrgicos, tempos de trabalho, de estudo, de oração e de repouso encadeiam-se incansavelmente.
«É fundamental ter pontos de referência objetivos quanto aos horários e a repartição das tarefas. Liberta-nos!», aponta a Ir. Benedita, que partilha a vida com mais 46 monjas. Outra virtude do dia cadenciado: a luta contra o aborrecimento e a melancolia.
Em nossa casa, podemos fixar os horários das refeições, e depois estabelecer tempos para o trabalho, a escola, a leitura, o exercício, etc.
Redobrar a atenção aos outros
«Para os noviços, de início é difícil deixar de ter rapidez nas interações e nos contactos diretos com a família e os amigos. Mas isso impele a transformar as relações, a sermos inventivos», testemunha a Ir. Mireille.
A esta dificuldade acrescenta-se, para os mais novos que têm o hábito de viajar, o de estar preso a um lugar. Também aqui, a chave está no aprofundamento: «Damo-nos conta de que a experiência humana vivida intensamente faz-nos tocar o universal, melhor do que se tivéssemos percorrido toda a Terra», diz a Ir. Benedita.
Para conviver e não pesar a vida dos outros, o Ir. António insiste na importância de se mostrar amável, sociável e ao serviço, mas também na redescoberta daqueles com quem se vive este período particular: «Inicialmente, vemos as fraquezas do outro, os seus defeitos, mas também podemos, talvez, redescobrir a sua riqueza».
Em nossa casa: eliminemos as queixas; multipliquemos as pequenas frases: «Como estás?», «como te posso ajudar?». E telefonemos, escrevamos!
Silêncio
«A vida comunitária pode ser uma provação. Somos oitenta: felizmente há silêncio, senão seria insuportável», refere o Ir. António. Os monges alternam tempos em comunidade e tempos em solidão na cela.
«Os momentos juntos são os lugares da caridade em ato. A solidão não é um corte, mas um tempo habitado, em comunhão», explica a Ir. Ana.
Em nossa casa: confinados em família, será possível que cada um possa ter um momento num espaço separado? E se tentássemos, um dia, a refeição em silêncio (quando ele não é habitual)? Para aqueles que estão sós, como habitar esta solidão, e não apenas enchê-la?
Perdoar
Entre os monges há o hábito de pedir perdão, mesmo por coisas benignas. «É o cimento da via comunitária», assinala a Ir. Mireille. Quatro noites por semana, as 28 integrantes da sua comunidade encontram-se para um «círculo de paz», onde cada uma pode pedir perdão: «Dura cinco minutos. Não há explicação, simplesmente depõe-se. Este encontro desdramatiza o perdão, tece-o no quotidiano e amacia o coração.»
Na sua Regra, S. Bento pede para que todos se reconciliem antes do pôr-do-sol. «Por vezes, um sinal tácito, um serviço, um sorriso, valem mais do que longos discursos», sublinha a Ir. Benedita.
Para a Ir. Ana, as irritações epidérmicas são também a ocasião de tomar consciência da nossa fragilidade, e, por ricochete, aceitar melhor os outros. «É um exercício de humildade. Este confinamento lembra-nos que somos pequenos, pobres e dependentes. É, talvez, a ocasião para se colocar no seu lugar.»
Humor
«A minha surpresa, ao chegar ao mosteiro, foi ver como os monges que falam pouco podiam rir a bandeiras despregadas», recorda-se o Ir. António. É preciso tornar mais leve aquilo que corre o risco de se tornar pesado, declara a Ir. Mireille.
Vídeos, anedotas, desenhos sobre o confinamento, a que é preciso submeter apreciação antes de chegarem a todos os membros da família, são abundantes na Internet. Com as devidas precauções, consumir sem moderação!
Confiança
Mesmo quando a pandemia dá sinal de decrescimento, a angústia apoderou-se de muitos. Os monges e monjas não têm sido poupados, e alguns viram membros das suas comunidades infetados pelo coronavírus.
«A nossa principal alavanca, na nossa vida, e particularmente nesse momento, é a confiança em Deus, a nossa principal ação é confiarmo-nos a Ele.» Para os monges, é o trabalho de uma vida. Quem está “do lado de fora” ainda tem algumas semanas para se colocar a caminho…
A Quaresma, que tocará pelo menos parte do confinamento, é um tempo privilegiado para se afastar da vida quotidiana, para o silêncio, a oração, a sobriedade, a autenticidade nas relações.
E o confinamento para os monges e monjas, antes, durante ou após os períodos litúrgicos, do Advento ao Tempo Pascal, passando pelo Natal, Quaresma e Tempo Comum, nunca é tempo de irreparável separação do mundo.
Há comunidades em que um dos membros apresenta diariamente um ponto de situação aos seus confrades sobre o Covid-19: «Rezamos por todos aqueles que estão bloqueados em pequenos apartamentos, temem pelo seu trabalho ou atravessam situações familiares dramáticas».