Estamos convictos de que, ainda hoje, a obra de arte, nada sacrificando da justa autonomia que lhe compete e que já S. Tomás lhe reconhecia (S. Thomae, Summa Theologiae, I-IIæ, q. 57, a. 4, c.; Ibid. a. 3, c.) é veículo potencial de uma mensagem religiosa.
Quando, depois, a mensagem religiosa é a cristã, que fala de um Deus que se incarnou tomando forma humana e vivendo e morrendo como homem, então a sua tradução artística apresenta-se, por assim dizer, espontânea e conatural. Prova disso é a necessidade percecionada desde logo pelos membros da comunidade cristã primitiva ao entregar em símbolos e figuras aquela fé que traziam no coração.
Precisamente aqui em Roma, nas catacumbas de Priscila, Domitila, Calisto e Pretestato, conservamos algumas das mais antigas (últimas décadas do século II e primeiras do III) representações figuradas dos mistérios cristãos. Com o passar dos séculos é todo um discurso que floresce entre as mãos dos artistas cristãos, evocando as várias etapas da história da salvação.
Porque é que este discurso tem hoje de ser interrompido? Será que os mistérios da nossa redenção deixaram de falar à sensibilidade do artista moderno? Ou será que a intuição artística perdeu hoje a capacidade nativa de entrar em contacto, através do fulgor do Belo, com a dimensão transcendente do Ser, testemunhando a abertura do espírito humano ao chamamento do Absoluto?
Não acreditamos nisso. E é por isso que, passam agora três anos, abrimos espaço nos Museus do Vaticano a uma Coleção de Arte religiosa moderna, convictos de que «continua a existir, existe também neste nosso árido mundo secularizado e até fraturado por profanações obscenas e blasfemas, uma capacidade prodigiosa (…) de exprimir, para além do humano autêntico, o religioso, o divino, o cristão» (Paulo VI, 23.6.1973).
E exprimíamos então o desejo de que aquela iniciativa servisse para confirmar «no coração dos artistas a convicção de que a Igreja católica continua a ser e será sempre sua apreciadora, fautora e protetora», que efetivamente ela «espera sobre o amplíssimo horizonte do mundo contemporâneo o florescimento de uma primavera nova da arte religiosa pós-conciliar» (Paulo VI, 23.6.1973).
Estamos certos de que a vossa indagação vos levará a descobrir em muitas obras de arte inclusive modernas (…) a necessidade insuprimível de algo, melhor, de Alguém, que dê sentido ao efémero, além de absurda agitação do ser humano no tempo e no espaço deste mundo finito.
Oh, quanto desejamos fazer chegar a todos os artistas que neste momento sofrem a angústia de dar expressão sensível às inexprimíveis intuições do seu espírito, uma palavra de sincero respeito e de viva simpatia. Eles estão, mesmo que talvez não o saibam, na estrada que conduz a Deus.
Continuemos portanto a caminhar sem nos deixarmos desencorajar pelas asperezas da vida, e com as suas obras impulsionem também outros a dirigirem-se com eles rumo a um encontro, que só pode ser verdadeiramente pleno para quem, como o ser humano, é na sua constituição, quer o saiba ou não, um peregrino do Absoluto.