O papa está cada vez mais preocupado com as guerras em curso. A que sucede em Israel e em Gaza (está constantemente em contacto com a paróquia da Faixa), como a da Ucrânia. Sem esquecer os outros conflitos. «A guerra é uma derrota. Não se resolve nada com a guerra. Nada. Tudo se ganha com a paz, o diálogo», declarou esta quarta-feira, 1 de novembro, em entrevista ao diretor do mais importante serviço noticioso da RAI, televisão pública italiana.
Perante as imagens de 7 de outubro em Israel e aquelas que chegam do território palestinense sob o domínio do Hamas, Francisco acentuou: «Na guerra uma bofetada provoca a outra. Uma que é forte, a outra ainda mais forte, e assim por diante». A solução seria «dois povos que devem viver em conjunto, dois povos, dois Estados. O acordo de Oslo: dois Estados bem limitados e Jerusalém com um estatuto especial».
Foi uma entrevista a 360 graus. Com a tranquilização sobre a sua saúde: «Ainda estou vivo». Também com algumas perguntas sobre gostos futebolísticos – entre Maradona e Messi, o papa prefere, algo surpreendentemente, outra escolha – e o seu amor pelo mar (mas não vai para lá desde 1975). E depois os regurgitares de antissemitismo, o balanço do Sínodo, as preocupações pelo clima (Francisco irá ao Dubai no início de dezembro para a 28ª edição da Conferência das Partes – mais conhecida como COP – sobre mudanças climáticas), e a denúncia do comércio das armas: «Uma pessoa que conhece de investimentos disse-me que hoje os investimentos que dão mais lucro são as fábricas das armas».
O papa mantém-se em contacto com a paróquia de Gaza. «Telefono-lhes todos os dias, e há também está lá uma religiosa argentina; o pároco estava em Belém no momento em que tudo isto se desencadeou e não conseguiu voltar porque tinha ido a Belém comprar medicamentos. Agora está em Jerusalém, mas não pode entrar». Francisco telefona ao vigário paroquial, egípcio, P. Yussuf. Felizmente as forças israelitas respeitam a comunidade paroquial, onde há 563 pessoas, «todas cristãs e também algumas muçulmanas. Crianças doentes aos cuidados das Irmãs de Madre Teresa».
Francisco apela a que a guerra não se torne uma habituação, e sobre a hipótese de uma escalada mundial, observa: «Seria o fim de muitas coisas e de muitas vidas». A esperança é que a sabedoria humana detenha estes acontecimentos. Na Ucrânia, na Terra Santa, mas também em Kivu (uma região do Congo), no Iémen e em Myanmar, «com os mártires que são os “rohingyas”».
Quanto ao antissemitismo, «permanece escondido. É visível, jovens por exemplo, daqui e dali que fazem algumas coisas. É verdade que neste caso é muito grande, mas há sempre alguma coisa de antissemitismo, e nunca é suficiente ver o Holocausto que foi feito na segunda guerra mundial, estes seis milhões mortos, escravizados, e não é passado. Infelizmente, não é passado. Não sei explicá-lo e não tenho explicações, é um dado de facto que eu vejo, e não gosto».
Acerca do conflito na Ucrânia, o papa fala da população ucraniana como um «povo mártir», que foi perseguido desde os tempos de Estaline. Depois de ter recordado o seu desejo de ir quer a Kiev quer a Moscovo, e que contribuiu para a libertação de prisioneiros, e após ter mencionado a audiência a Zelensky, Francisco acrescentou: «Compreendo, mas é precisa a paz: parai um pouco e procurai um acordo de paz, os acordos são a verdadeira solução para isto. Para ambos».
Falou-se de migrantes. O papa recordou a «crueldade dos campos de concentração líbios» e salientou as fundações do seu magistério: «Recebê-los, acompanhá-los, promovê-los e inseri-los no trabalho». Em particular não sejam deixados sozinhos os países como a Itália, Chipre, Grécia, Malta e Espanha, onde chegam em maior número. É preciso uma política pan-europeia. Por outro lado, se não se integra o migrante, é um problema. Francisco citou o ataque terrorista de Zaventem, na Bélgica: «Os jovens eram todos migrantes, mas migrantes em inserção».
Sobre o futuro das mulheres na Igreja, o papa distinguiu entre tarefas de governo, recordando que hoje, por exemplo no Vaticano, são várias as mulheres que ocupam posições cimeiras, e a questão do sacerdócio feminino: «Aí há um problema teológico, não administrativo. São coisas diferentes». «O princípio petrino, que é o da jurisdição, e o princípio mariano, que é o mais importante, porque a Igreja é mulher, a Igreja é esposa, não é masculina. É preciso uma teologia para compreender isto, e o poder da Igreja mulher e das mulheres na Igreja é mais forte e mais importante do que o dos ministros masculinos. É mais importante Maria que Pedro, porque a Igreja é mulher. Mas se queremos reduzir isto ao funcionalismo, perdemos.» O celibato dos sacerdotes, por seu lado, «é uma lei que pode ser removida, não há problema. Não acredito que ajude. Porque o problema é outro. Não ajuda».
Em relação ao acolhimento dos homossexuais na Igreja, «quando digo todos, todos, são as pessoas». É diferente quanto às organizações que querem entrar (terá sido uma referência ao lobby?, n.d.r.). E quanto à pedofilia, «foi feito muito, mas há ainda muito a fazer. O abuso, seja sexual, seja de consciência, não pode ser tolerado». No que diz respeito ao Sínodo, o balanço é positivo: «Falou-se de tudo com toda a liberdade».
Por fim, em chave pessoal, Francisco refutou a etiqueta de ser um papa de esquerda. As verdadeiras qualificações são «coerente, não é coerente?». Falou, depois, da sua família, de quando a mãe lhe ensinava música, da sua noiva que trabalhava no cinema, «uma muito boa jovem», da fé que nunca perdeu, mesmo se por vezes andou por veredas escuras. E o futebol: «Maradona, um grande jogador, mas um fracasso como homem, coitado, decaiu com a corte daqueles que o louvavam e não o ajudavam». Messi, pelo contrário, corretíssimo, mas em primeiro lugar está Pelé, «o grande senhor, um homem de coração»; o seu preferido.