Também eu me fui vacinar. A minha história é normalíssima, como a de tantos outros. Ao entrar no pavilhão encontro um voluntário que me indica o percurso. Depois, outro voluntário descreve-me os passos a dar. As pessoas à espera dispõem-se em fila, com base no agendamento. Em pequenos grupos entregamos as nossas identificações e somos dirigidos para o encontro com o médico: o doutor, muito jovem, vê os documentos, verifica as respostas aos questionários, pede algumas precisões. Decide-se rapidamente pela Moderna, uma só dose, tendo em consideração que há alguns contraí Covid. Uma saudação e, de acordo com as indicações de outro jovem voluntário, passo a outra fila, aguardando a injeção. Poucos minutos depois é a minha vez: é-me entregue o documento que comprova a vacinação; por segurança, sou convidado a permanecer algum tempo, antes de sair. Ali fico, tranquilo, juntamente com outras pessoas, aguardando que passe o tempo designado, e depois, finalmente, posso ir embora. Tudo acontece de maneira fluída e sem estorvos.
Saio acompanhado por vários sentimentos. Pelo menos dois. O primeiro, e maior, é uma espécie de comovida gratidão pelas pessoas envolvidas nesta operação de dimensões absolutamente únicas e extraordinárias (no sentido de fora de comum e fora da norma) que uma vacinação em massa, como esta, exige. Gratidão pelo pessoal de saúde (médicos e enfermeiros) e pelos voluntários envolvidos numa organização tão complexa e a ter de se concretizar com rapidez. Gratidão por quem colocou de pé, em breve tempo, um sistema operacional – do que pude ver – preciso e eficaz (não será assim em todo o lado). Encontrei pessoas comprometidas de maneira séria mas, ao mesmo tempo, leve: não vi rostos graves ou enrugados, mas rostos de pessoas concentradas e humanas.
O segundo sentimento tem a ver com a esperança, porque estou convicto de que a vacina pode contribuir de maneira determinante para fazer-nos sair desta pandemia que durou demasiado tempo: a esperança é a de fechar uma fase da vida (quer pessoal quer coletiva) e abrir uma nova, que tenha o sabor do renascimento.
Sei que estas palavras não agradarão a todos. Uma parte não pequena de pessoas não se apresentou à vacinação, nem presumivelmente se vacinará. Creio que a ninguém agrade o uso excessivo de fármacos, nem o recurso frequente a substâncias produzidas quimicamente. Todavia, num momento de emergência como este, e na ausência de remédios igualmente eficazes, a vacina apresenta-se como o meio mais seguro para derrotar o Covid e acelerar a saída desta sofrida crise. Atestam-no devidamente os dados científicos.
A Igreja, por seu lado, nas suas sedes “oficiais” (penso nas palavras do papa Francisco e de bispos, e nos documentos da Academia Pontifícia para a Vida), não teve dúvidas em afirmar não só a liceidade das vacinas (não é mal vacinar-se), mas também o carácter ético da escolha da vacina (é um bem vacinar-se) para contribuir assim para a saúde e o bem comum de toda a coletividade: uma maneira de cuidar uns dos outros. Não só durante o processo de vacinação, mas durante o período que o antecedeu.
Em Portugal, o diretor-adjunto do “Público” sublinhou «a atitude irrepreensível» da Igreja católica ao longo dos meses. «Desde o primeiro momento» os responsáveis eclesiais «preferiram a via da responsabilidade em vez de fazer ouvidos moucos às recomendações das autoridades sanitárias como outros fizeram. Basta lembrar o que fizeram alguns responsáveis religiosos no Irão ou no Paquistão logo no início desta pandemia, ou na Índia, bem há pouco tempo, para perceber como as coisas poderiam ter sido diferentes».
«Num país que continua fortemente marcado pelas festividades católicas, quando os picos do alarme se chamavam Natal ou Páscoa, nunca houve da parte dos responsáveis católicos portugueses um incentivo que não fosse ao cumprimento das regras e à adaptação do culto às contingências da crise sanitária. Casamentos e funerais tiveram de ser limitados, e centenas de festas e romarias não se realizaram, mesmo que isso representasse, como aconteceu com Fátima, uma brutal diminuição das entradas de donativos nos cofres da Igreja», assinalou David Pontes no editorial publicado a 14 de maio.
Na sequência do pedido feito há um ano pelo bispo de Leiria-Fátima, Card. António Marto, «a Igreja Católica portuguesa não ficará na “História como responsável pelo agravamento da pandemia a nível nacional”. Um exemplo que deve ser justamente celebrado, até em contraste com a negligência recente de outras autoridades e com a irresponsabilidade de muitos», concluiu David Pontes.
Ajudados também pelo verão que está a chegar, esperamos sair definitivamente desta dolorosa experiência para um novo início e para um novo renascimento.