«Quem só sabe de economia, não sabe nada de economia»: esta foi uma das afirmações proferidas pelo cardeal Tolentino Mendonça na conversa, à distância, com o compositor e cantor Pedro Abrunhosa, perante uma audiência de políticos e empresários, na qual também falou de bibliotecas, palavras e silêncio, «que parece um tema marginal, lateral, mas que, afinal, é tão decisivo em termos da nossa experiência antropológica e daquilo que é o futuro das nossas sociedades».
A sessão, que decorreu a 24 de julho, em Mangualde, contou, entre o público, com a ministra da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa, do presidente da Câmara Municipal, Elísio Oliveira, e do presidente da Comissão Executiva da Caixa Geral de Depósitos, Paulo Macedo.
Dedicado ao tema “No princípio… era o silêncio”, o encontro começou com a interpretação da canção “Tempestade”, que Pedro Abrunhosa dedicou ao pai, recentemente falecido, e que motivou as primeiras palavras poeta e teólogo.
«Ainda bem que pôde, em vida, dedicar ao seu pai esta bela canção. Porque, às vezes, o que nos pesa mais é o peso das palavras não ditas, daquilo que não chegamos a dizer uns aos outros, e que, afinal, é o mais decisivo», afirmou o primeiro diretor do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura.
Depois de Pedro Abrunhosa ter mencionado a emoção com que o filho mais novo concluiu a leitura de “Robin dos Bosques”, D. Tolentino Mendonça acentuou que «o tempo de leitura, ou o tempo que a leitura pede, é um tempo de silêncio».
«Esse prazer de estar entregue a um livro, como o seu filho, e, depois, perceber que um livro nos emociona, projetamo-nos, sentimo-nos identificados, enriquecidos com uma experiência que nos atravessa por dentro. Esse tempo de leitura é muito diferente daquele que as redes sociais ou uma comunicação mais direta, mais elementar, mais dirigida, mais condicionada, acaba por nos pedir; é muito o consumismo, e não o tempo da elaboração que a literatura nos pede», assinalou.
O cardeal Tolentino partilhou também a relação que mantém entre leitura, transitoriedade e imortalidade: «Os livros dão-me a noção da eternidade. Mesmo em minha casa, sei que tenho livros que, porventura, já não vou ler, ou reler. E isso mostra como somos uma etapa de um caminho, de uma história que é maior que nós».
«O [Jorge Luis] Borges dizia que pensou sempre o Paraíso como uma biblioteca; uma biblioteca é um lugar de eternidade também por nos mostrar que somos um momento ínfimo, particular, de uma história infinita», sublinhou.
Para o responsável pela Biblioteca e Arquivo do Vaticano, «Borges é o ícone do bibliotecário, um homem com quem todos os bibliotecários aprendem, porque quando chegou a diretor da Biblioteca Nacional de Buenos Aires, ficou cego; ele fala da ironia de Deus, que lhe dá a cegueira e os livros, é alguma coisa que todos os bibliotecários sentem».
Com efeito, prosseguiu, «uma biblioteca é um grande salva-vidas do conhecimento da humanidade, mas o bibliotecário é alguém que desenvolve um grande sentido de humildade em relação ao conhecimento e às suas possibilidades para afrontar essa vastidão imensa que uma biblioteca representa».
Falando para pessoas a quem foi confiada a administração de importantes montantes de dinheiro, D. Tolentino frisou que «é fundamental [ter] uma visão integral da vida», e, por isso, é «cada vez mais verdade aquele velho provérbio que diz que quem sabe só de uma coisa, não sabe dessa coisa.
«Quem sabe só de economia, não sabe nada de economia. E por isso, numa plateia de empresários, é muito importante falar de poesia, falar de humanismo, falar de cultura, porque para dirigir uma empresa e ter uma visão dos grandes movimentos da sociedade e de transformação, é necessário, claro, perceber de contabilidade, matemática, importação, banca; mas também é importante saber do ser humano, saber do coração o que lhe bate dentro, saber do grande debate das ideias, da forma como o pensamento se agita e cresce».
É «essa visão integral» que habilita a «interagir não apenas com o presente imediato», mas também com o amanhã: «Um futuro que, por exemplo, na situação da pandemia, nos entrou pela porta dentro de supetão, sem que estivéssemos preparados, e que nos obrigou, e vai obrigar, a redimensionar, a perspetivar, a reordenar, a restabelecer novas prioridades, mas também novos paradigmas, novos modelos, novas oportunidades, porque uma crise é também um lugar para sondar novas oportunidades».