O campo de concentração, o horror, o sofrimento físico e psíquico, a tatuagem no braço, o uniforme às ricas, o medo de não conseguir sobreviver. Em “O rapaz que seguiu o pai para Auschwitz” (Editorial Planeta, 416 págs., 18,85 €), o narrador e historiador Jeremy Dronfield narra a deportação para os “lager” nazis do estofador judeu Gustav Kleinmann e do seu filho de 15 anos Fritz.
Presos em 1939 em Vienna, os dois conheceram, em conjunto, o inferno de Buchenwald e de Auschwitz. Quando o jovem descobre que o pai está na lista de prisioneiros a enviar para o campo das câmaras de gás, na Polónia, decidirá, com efeito, segui-lo. Um representa a força do outro - «o rapaz é a minha maior alegria; damos força um ao outro. Somos uma coisa só, inseparáveis»; «vi as SS a bater nos prisioneiros, então procuro o meu filho com o olhar. Comunicamos com o contacto visual», é o que rlata o velho Kleinmann no seu diário.
Desta história verdadeira («há muitas histórias sobre o Holocausto, mas nenhuma como esta», avisa o autor no prefácio), reconstruída graças ao caderno secreto de Gustav, à memória e às entrevistas reveladas por Fritz em 1997, e também aos inumeráveis testemunhos de parentes, amigos e sobreviventes, o que sensibiliza, além da minuciosa narração dos acontecimentos históricos (a ascensão e derrota de Hitler, a vida na Viena dos anos trinta, a marcha da morte, Mauthausen, Mittelbau-Dora, Bergen-Nelsen, a resistência dos prisioneiros nos campos, a presença em Monowitz de Primo Levi), é o poder com que ao ódio da Noite dos Cristais, às brutalidades infligidas pelos guardas dos campos e à insensatez da guerra se contrapõe o amor incondicionado e resiliente de dois homens.
Torturados, reduzidos à escravidão pelos trabalhos forçados, desumanamente afastados do resto da sua família, que – basta ver as fotografias que acompanham a narração no início e no fim do livro – é inexoravelmente desmembrada, Fritz e Gustav tornam-se testemunhos vivos para demonstrar que certos laços podem derrotar a máquina da intolerância e do ódio. Apesar de tudo.
Não é por acaso que uma das expressões mais recorrentes do volume seja «mil beijos». Beijos que são símbolo de uma humanidade ferida, mas logo pronta a reerguer-se e a recomeçar a viver. Di-lo o poderoso lápis de Gustav ao confiar os seus pensamentos à clandestinidade das páginas brancas. Apesar de «os mortos permanecerem mortos, os vivos estarem cheios de cicatrizes e os seus números e as suas histórias impediriam as memórias de se desvanecer», um dia a liberdade de regressar a casa e voltar a abraçar todos os outros haveria de chegar.
Para seguir em frente e ultrapassar a dramaticidade do passado, há, portanto, sempre necessidade de ternura. E os Kleinmann, nos campos de concentração entre outubro de 1939 e julho de 1945, e com uma história única porque «pouquíssimos judeus atravessaram o inferno juntos, do início ao fim, para depois voltarem vivos», sobreviveram precisamente graças «ao amor e à devoção recíprocas». Hoje continuam a viver numa narrativa que foi escrita e entregue às gerações do futuro «com todo o coração».
Nota: A tradução aqui apresentada de transcrições do livro baseou-se na edição italiana.