Não é fácil encontrar o próprio lugar no mundo, especialmente quando se é forçado a procurá-lo sozinho. Nestas semanas de verão, então, a tarefa corre o risco de se tornar impossível: as cidades esvaziam-se, todas as pessoas vão para algum lugar na companhia de alguém, numa espécie de recombinação universal que parece feita para exaltar a exceção de quem, por uma razão ou outra, se encontra sem par. Como Delphine, a secretária parisiense que o cineasta francês Éric Rohmer escolhe como protagonista de “O raio verde”, vencedor do Leão de Ouro em Veneza, em 1986.
Nascido em Tulle em 1920 e falecido em Paris em 2010, Rohmer (cujo nome verdadeiro era Jean Marie Maurice Schérer) foi um dos realizadores mais populares da chamada “Nouvelle Vague”, a "nova vaga" do cinema francês que a partir dos anos 50 soube alcançar um sábio equilíbrio entre as razões do público e as instâncias de autores, entre a observação da vida quotidiana e a lição da grande literatura.
Os sentimentos, em particular, foram o campo de investigação favorito de Rohmer, que não pode ser acusado de ter feito cinema "sentimental" no pior sentido do termo. Cada filme seu encaixa-se num contexto mais vasto, que se refere de maneira bastante transparente ao legado de Michel de Montaigne e dos moralistas seiscentistas, organizando-se precisamente por isso em esquemas narrativos mais amplos, profundamente fundamentados, apesar da sua aparente distração.
“O raio verde”, por exemplo, pertence ao ciclo "Comédias e provérbios", dentro do qual o jogo das citações literárias é ao mesmo tempo deliberado e quase inadvertido. Mesmo o título do filme é emprestado do romance publicado em 1882 por um quase insuspeito Júlio Verne. Como é seu hábito, o escritor coloca no centro da narrativa um fenómeno natural, o do raio verde, que aparece por poucos segundos ao pôr-do-sol, atribuindo-lhe, todavia, um significado muito mais do que científico: colher o instante em que a luz muda de cores permitiria finalmente conhecer-se a si mesmo e, mais ainda, testar a sinceridade da pessoa que está ao lado.
Precisamente aquilo que precisaria Delphine (a atriz Marie Rivière, também envolvida no argumento), que nas semanas estivais de férias forçadas acaba por ser jogada de um lado para outro, sem nunca ser capaz de parar nalgum lugar. Dir-se-ia que escolhe sempre a meta errada ou que nunca consegue fazer-se aceitar, provavelmente porque ela não consegue, em primeiro lugar, aceitar-se.
Do ponto de vista dos mecanismos exteriores, os abundantes 30 anos que nos separam da saída de “O raio verde” fazem-se sentir muitas vezes. No mundo de Delphine e dos seus amigos a dieta vegetariana ainda é considerada uma estranheza e a omnipresença das redes sociais não é nem remotamente imaginável, com o resultado de tornar ainda mais consistente a solidão do protagonista.
Em certo sentido, é como se a condição de desorientação com que Delphine é perseguida constituísse a parte mais autêntica da sua personalidade, verdadeiramente ao abrigo das barreiras erguidas pelas neuroses e autocomiseração. Mas para o compreender é preciso um olhar treinado, e não é por acaso que o único a dar-se conta é Jacques (interpretado por Vincent Gauthier), um jovem sensível o suficiente para perceber que Delphine é uma leitora de Dostoiévski.
Cautelosa em relação a tudo e a todos, ela confia nele, com ele é acompanhada durante umas breves férias, com ele se senta em frente ao mar ao pôr-do-sol. É aí que o raio verde a espera: como uma esperança ou como um risco. Como a vida, simplesmente.