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O ateísmo do crente que Deus não suporta

Era uma vez o ateísmo. E continua, obviamente. Pode assumir muitas formas, das mais “trocistas” - «graças a Deus sou ateu» - às mais dramáticas, como, infelizmente, nos mostrou a História, passando através de uma vasta gama de ateísmos individuais, por vezes pedantes, por vezes zombeteiros.

Há também um ateísmo sério, que é o de quantos «não afirmam simplesmente “não existe qualquer Deus”, [mas] sofrem por causa da sua ausência e, procurando o verdadeiro e o bom, estão interiormente a caminho para ele. São “peregrinos da verdade, peregrinos da paz” … Tiram aos ateus combativos a sua falsa certeza, com a qual pretendem saber que não há um Deus, e convidam-nos a tornarem-se, em vez de polémicos, pessoas à procura, que não perdem a esperança de que a verdade exista e que nó spodemos e devemos viver em função dela». São as palavras com que Bento XVI, no encontro das religiões pela paz de 27 de outubro de 2011, em Assis, explicava porque tinha convidado alguns representantes do ateísmo.

Mas de todas as formas possíveis de ateísmo, talvez a pior, a mais irritante, aquela que o próprio «Deus não suporta», é aquela de muitos presumidos crentes piedosos, que rezam, e até muito, mas na atuação prática negam «a imagem divina que está impressa em cada ser humano», como disse Francisco há uma semana, durante a audiência geral.

Trata-se de um verdadeiro «ateísmo prático», o «ateísmo de todos os dias», de quem diz «creio em Deus, mas com os outros mantenho a distância e permito-me odiar os outros», de quem reza «muitos terços diariamente» e depois odeia o seu próximo. Até porque, se «alguém diz “amo Deus” e odeia o seu irmão, é um mentiroso. Quem, efetivamente, não ama o seu irmão que vê, não pode amar Deus que não vê. Se reza muitos terços por dia, mas depois alimenta bisbilhotices sobre os outros, e depois tem rancor dentro de si, tem ódio contra os outros, isto é artifício, não é verdade, não é consistente. E este é o mandamento que temos dele: quem ama Deus, ame também o seu irmão».

Simples, linear, inequívoco. Conhecemo-los todos, estes crentes sempre na primeira fila, sempre prontos a bater no peito, mas impermeáveis à “pietas”, a participar da condição do seu próximo, indisponíveis para a partilha. Aqueles que rezam «só para serem admirados pelos outros. Aqueles ou aquelas que vão à missa só para dar a ver que vão à missa, que são católicos, ou dar a ver o último modelo que adquiriram, para fazer boa figura social, vão a uma oração falsa».

Para o papa Francisco, diante destes «ateus» que se apresentam como crentes não há distinção possível, nem mas nem porém: «Não reconhecer a pessoa humana como imagem de Deus é um sacrilégio, é uma abominação, é a pior ofensa que se pode levar ao templo e ao altar». Que «a oração dos almos nos ajude a não cair na tentação da impiedade, isto é, viver, e talvez até rezar, como se Deus não existisse, e como se os pobres não existissem».

Palavras fortes, sem dúvida, impossíveis de não partilhar. Pelo menos para quem verdadeiramente acredita e esforça-se todos os dias para o testemunhar.


 

Salvatore Mazza
In Avvenire
Trad.: Rui Jorge Martins
Imagem: ChrisChips/Bigstock.com
Publicado em 01.11.2020

 

 
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