Leão de Ouro na Bienal de Veneza de 2020, menção especial do prémio internacional católico da SIGNIS, “Nomadland” obteve no domingo à noite o prémio para melhor filme e melhor realização (Chloé Zhao) nos Globos de Ouro, que distinguem a televisão e o cinema norte-americanos.
Fern é uma viúva sexagenária que perdeu casa e trabalho após a crise financeira do novo milénio, mas não se resigna ao desespero; carrega tudo o que lhe resta num furgão e põe-se em viagem ao longo das estradas americana. Arranja trabalhos sazonais, e cada área de descanso onde estaciona a sua casa móvel constrói um verdadeiro tecido de comunidade. Fern e outros como ela ajudam-se, assistem-se, trocam favores, revelando a sua proximidade. Precisamente, uma comunidade.
Chinesa de origem e residente em Hollywood, a cineasta compôs uma poderosa narrativa sobre os últimos e os esquecidos, sem pietismos nem olhares desesperados. O filme baseia-se no romance homónimo de Jessica Bruder, mas também nas reflexões da própria Chloé Zhao, nascida em Pequim no ano de 1982 e formada em Inglaterra.
O filme fala das periferias e da vida nos espaços abertos, em tonalidades de viagem existencial. Junto a Fern, um povo de errantes em autocaravanismo sobrevive com os trabalhos mais díspares, da grande rede da Amazon às limpezas nas áreas de repouso para campistas.
Surpreende, e não pouco, o estilo poético e vigoroso adotado pela realizadora, que no seu terceiro filme demonstra uma grande maturidade, movendo-se na esteira narrativa dos grandes cantores sociais, como Ken Loach, os irmãos Dardenne ou Clint Eastwood. A autora é capaz de colher toda a complexidade da periferia americana, delineando espaços, natureza e humanidade.
Especificamente, o seu registo é profundamente realístico e enxuto, e nunca enfada; através da protagonista, mostra-nos, com efeito, uma comunidade de trabalhadores, dobrados por não poucas fatigas e pela pobreza, que, todavia, não se abandona ao desespero e se ampara de maneira solidária.
“Nomadland” fotografa bem quem vive à margem, os descartados da sociedade contemporânea, mas fá-lo com gentileza e grande respeito, marcando a dignidade com que estas pessoas – o filme apoia-se também em “atores” que vivem na estrada – vivem a sua existência e se batem tenazmente por um possível amanhã.
Merece uma menção especial o trabalho interpretativo de Frances McDormand, que rouba a cena em todo o filme, despojando-se de aparências enganadoras e mostrando tudo de si com grande intensidade e expressividade. O seu rosto torna-se um espelho que reflete estados de alma pessoais, mas também a qualidade das relações que se estreitam nas viagens, num todo marcado pela empatia e necessidade de proximidade.
McDormand é verdadeiramente surpreendente ao pontuar o gradual percurso de Fern, que ao longo do caminho abandona empecilhos existenciais e reencontra o impulso para voltar a jogo.
O filme apresenta «uma humanidade que evoca os velhos pioneiros americanos, que nunca diz adeus, mas simplesmente “vemo-nos pela estrada”. Através da personagem de Fern, maravilhosamente interpretada por Frances McDormand, conseguimos colher a dignidade e a solidariedade que se respira entre estes nómadas da sociedade pós-industrial. Este “road movie” de Chloé Zhao, com fotografia tão fascinante, revela-se um poderoso hino »a vida», sublinhou o júri da SIGNIS.
“Nomadland” é um filme poderoso, belíssimo, marcado por acentuações poéticas, e que se adapta a debates sobre o tempo que vivemos e as suas mudanças sociais, colocando o tema da condição dos últimos e daqueles para quem é muito difícil obter ou manter um trabalho. A obra evoca igualmente bem a condição da mulher e, em geral, da pessoa adulta e idosa.