Marcus Thuram, Enes Kanter, Greg Popovich, Kareem Abdul-Jabbar, toda a equipa de futebol do Liverpool: nos últimos dias estes desportistas (e muitos outros) reapropriaram-se do direito de ter um pensamento político, de o exprimir e de explicar de que parte decidiram estar. Que é, evidentemente, a mesma daquela saída (civilizadamente) para as ruas para apoiar o movimento “Black lives matter” e manifestar-se contra o assassinato de George Floyd.
Sim, escrevi “assassinato” sem rodeios, porque decidi ver todos os nove minutos de vídeo que circulam na internet e que mostram a agonia de um homem que morre lentamente sufocado pelo joelho de um polícia que lhe esmaga o pescoço e que, com ar arrogante, tem uma mão no bolso do seu uniforme. É um assassinato. Ponto.
Quem consegue ver completamente o vídeo (atenção, porque se decidir fazê-lo, será como sofrer voluntariamente um violentíssimo murro no estômago) assiste a uma execução, a uma condenação à morte onde juiz e carrasco são a mesma pessoa.
Os desportistas, pelos quais quis começar, decidiram tomar partido, colocando à disposição a sua imagem pública para transmitir uma mensagem. A fotografia de Marcus Thuram, ajoelhado num estádio alemão depois de ter marcado um golo, tendo como fundo um horizonte de cartões que reproduzem o público que não está, é uma imagem repleta de significado.
Lilian Thuram, pai de Marcus, além de ter sido um grande futebolista que se tornou, inclusive, campeão do mundo com a sua França, escreveu um belíssimo livro intitulado “As minhas estrelas negras”. É uma inteligente história da humanidade revisitada, prestando homenagem a homens e mulheres “de cor” que, na história, foram capazes de a mudar.
O seu filho, de 22 anos, nascido em Parma nos anos em que Lilian jogava no campeonato italiano, tornou-se uma daquelas “estrelas negras”, porque o seu ajoelhar-se, só, no relvado do estádio do Borussia Mönchengladbach é um dos gestos mais poderosos alguma vez vistos num campo de futebol.
Aprecio sempre a capacidade de quem toma partido, sem diferenciar qualidade ou importância de quem o faz, mas não há dúvidas de que os atletas, desde os tempos dos punhos enluvados de Tommie Smith e John Carlos no pódio olímpico da Cidade do México, em 1968, têm a possibilidade de fazer detonar a sua mensagem em todos os cantos do planeta.
Num momento como este, com o mundo posto de joelhos por uma pandemia, comos EUA em chamas, com o planetário peso do luto, do desastre económico, da incerteza quanto ao futuro, com uma clamorosa ausência de liderança e de modelos exemplares, e, paradoxalmente, precisamente no momento em que os atletas são privados do seu público, o desporto tem a extraordinária ocasião de demonstrar-se um instrumento de melhoramento do mundo.
Aquele jovem ajoelhado com a cabeça baixa, sobre um relvado, rodeado de milhares de silhuetas inanimadas que o olham das bancadas, recorda-nos a diferença entre os verdadeiros homens e os de cartão.
Marcus Thuram taking a knee.
— Goal (@goal) 31 de maio de 2020
That's it.
That's the Tweet.
✊pic.twitter.com/RgRUXRHQzi