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Leitura: “Magnum streetwise”

Muitos fotógrafos comentaram o que entendiam por “street photography”, fotografia de rua. Uma das explicações mais interessantes é a de Alex Webb: «A melhor maneira de conhecer um lugar é caminhar. Porque um fotógrafo de rua só pode caminhar e olhar, esperar e falar, e depois voltar a olhar e a esperar, procurando permanecer confiante de que o inesperado, o desconhecido, ou o coração secreto do conhecimento o aguarde precisamente atrás da esquina. A minha maneira de fazer a fotografia de rua é muito simples. Perceciono, quase “farejo”, a possibilidade de uma fotografia. Procuro seguir o ritmo das ruas, por vezes mergulhando nas situações, outras vezes ficando de fora. Tudo depende daquilo que o mundo quer oferecer-me naquele determinado momento». Mas, quaisquer que sejam as aproximações e as modalidades, o resultado é que conta. E ao longo das décadas os fotógrafos ofereceram-nos instantâneos excecionais roubados às ruas, alguns dos quais tornados imagens icónicas, porque naquele instante imortalizado conseguiram colher o espírito do tempo, representar a condição de uma sociedade.

A fotografia de rua tem um fascínio particular, de tal maneira que quase todos os fotógrafos, dos grandes mestres aos simples apaixonados, nela se aventuraram pelo menos uma vez, mesmo que por puro divertimento. Porque a rua é uma reserva inesgotável de situações, das mais normais às mais inverosímeis. A habilidade do fotógrafo está em saber colher quer na normalidade – que aos seus olhos é sempre aparente e suscetível de mudanças inesperadas – quer na imprevisibilidade a situação particular capaz de condensar-se num único disparo, entregando-a a um significado até então não imaginado. Ambientes e personagens são praticamente ilimitados. Como afirmava Elliott Erwitt, outro mestre do género, «uma boa imagem pode encontrar-se em todo o lado, basta observar as coisas e organizá-las. Só te deve interessar o mundo à tua volta, a humanidade e a comédia humana».

“Magnum streetwise” (384 páginas, outubro 2019, 35,87 €) é uma viagem através das imagens, as práticas e os fotógrafos da agência mais famosa do mundo, que com os seus disparos definiram e tornaram popular a “street photography”. Com mais de trezentas fotografias, o volume organizado por Stephen McLaren permite um interessante olhar de conjunto ao género, contribuindo para a sua compreensão. De resto, o impulso em capturar de improviso, nos espaços públicos, imagens não estudadas, faz parte, desde as origens, do ADN da Magnum Photos, nascida em 1947. E foi o próprio Henri Cartier-Bresson, um dos fundadores, a elaborar os princípios da “street photography” antes que esta tivesse um nome. Fê-lo com apenas vinte anos, quando com a sua Leica atravessou a Europa e o México, realizando fotografias consideradas ainda hoje os fundamentos do género.

Depois dele, cada fotógrafo que entrou na Magnum levou com ele não só o seu talento, mas como também uma maneira original de entender as imagens de rua, que dessa forma, como um filão inexaurível, atravessam toda a produção da agência. Não se trata só do trabalho de mestres reconhecidos do género – como Elliot Erwitt, Martin Parr, Alex Webb, Bruce Gilden, Richard Kalvar, Sergio Larraín –, mas também de imagens de autores que, apesar de se concentrarem no fotojornalismo e na reportagem, não deixaram de dar o seu importante contributo, e entre eles encontram-se Robert Capa, Abbas Susan Meiselas e Peter van Agtmael.

McLaren não só delineia um perfil dos autores mais representativos do género, mas detém-se em alguns dos filões mais seguidos, da documentação do tempo livre à fervilhante vida dos mercados, da interação dos indivíduos em meios públicos aos lugares de passagem nas cidades, algumas das quais, como Nova Iorque, Paris, Londres e Tóquio, foram fontes de particular inspiração. Para além das técnicas e dos desenvolvimentos tecnológicos, como a advento da cor e do digital, é a comum sensibilidade dos fotógrafos que faz a diferença e define o que quer dizer ser um fotógrafo de rua.

Os “street photographers” conhecem, com efeito, o coração da cidade, como está organizada a vida no seu interior; sabem como misturar-se no fluxo urbano, são capazes de intuir a maneira em que as pessoas se relacionam entre elas. Por exemplo, leem antecipadamente as intenções de um peão, se está para atravessar uma rua, se se deterá ou não num semáforo; reconhecem os hábitos de um grupo de pessoas, intuem se e quando vale a pena aproximar-se com discrição de uma cena potencialmente interessante, para depois se dispersarem, igualmente discretamente, após o disparo desejado. Mas sabem também de que lado se põe o sol no outono no Central Park, que rua de Manhattan está mais cheia na sexta-feira à noite. Tudo para estarem prontos a colher o momento decisivo, no qual acontecerá alguma coisa que vale a pena imortalizar.

Segundo McLaren, mais do que um género, a fotografia de rua pode ser considerada uma tradição, «uma combinação de instrumentos improvisados a usar quando o momento o requer, como um músico de jazz que segue um “riff”. Diante da melhor “street photography” abrimo-nos a toda uma série de estados de alma, por vezes com a cáustica ironia de um Elliot Erwitt, mas também com empatia, fascínio e, em alguns casos, inquietação». Seguramente é um tradição que não conhece crises, sobretudo hoje, com o advento dos telemóveis, graças aos quais todos se sentem um pouco fotógrafos de rua. E no mundo dos verdadeiros apaixonados há hoje um renovado interesse pelo género. Testemunha-o o sucesso de livros e de exposições tão prodigiosas como desconhecidas até há poucos anos. No entanto, observa o curador do volume, «na primeira idade dourada, entre os anos cinquenta e sessenta, a “street photography” era, a custo, “alguma coisa”. Quem perguntasse ao grande público pelo nome de um seu expoente, teria recebido olhares vazios, porque não era uma atividade cultural de tendência. A sua popularidade atual, no entanto, é uma faca de dois gumes, porque pós-modernistas, curadores de galerias de arte e críticos vários desejaram que morresse, para que pudesse afirmar uma fotografia mais concetual, que se elevasse sobre os esforços mais modestos dos “street photographers”».

“Magnum streetwise” limpa o campo de todo o mal-entendido ou diminuição culpável. O livro é, com efeito, um cofre de pérolas roubadas à vida de todos os dias, uma ocasião para mergulhar num género popular mas que é tudo menos menor. Sobretudo é uma lente que ajuda a ler a história, a mais presente.

E é precisamente num tempo em que sobreabundam as imagens geradas e colocadas na rede por milhões de improvisados repórteres que é muito mais necessária a presença de fotógrafos capazes de ler e documentar as mutações em ato. E nada é mais interessante do que uma praça do centro da cidade ou de uma rua de periferia, que um comboio lotado de passageiros, que um mercado repleto, que uma praia de verão ou que uma festa popular para narrar, desde o que é humilde, como muda uma sociedade.


 

Gaetano Vallini
In L'Osservatore Romano
Trad.: Rui Jorge Martins
Publicado em 14.01.2021 | Atualizado em 06.10.2023

 

 

 
 
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