Um mosteiro entre as montanhas torna-se, por natureza, um ponto de referência. As pessoas que procuram Deus “subiram” sempre para o poder encontrar; ao santuário, à igrejinha entre os bosques, ao eremitério do monge, ao lugar ameno onde se pode rezar. Mas hoje há algo de diferente, porque as pessoas não sabem o que e por onde procurar.
O Ir. Paolo Mezzo é um cisterciense de ar enérgico e sorriso contagioso. Com a sua numerosa comunidade vive entre as montanhas do Piemonte, no mosteiro de Pra’d Mill, onde o encontramos: «Aqui, apesar de ser um lugar fora de mão, chega muita gente. Muitos vêm para as liturgias, e com frequência são famílias inteiras. Há, depois, um número consistente que pede para falar connosco, monges: sentem a necessidade de alguém que, na desorientação generalizada, indique o caminho. Procuram companheiros de caminho».
Nascido em 1961, desde quando chegou a pouco mais de 20 anos o chamamento monacal cresceu no Ir. Paolo, a par da pintura de ícones. No seu mosteiro orienta a escola de espiritualidade iconográfica contemporânea Santo André Rublev, que propõe um autêntico percurso académico em seis etapas. Como todos os monges, depois, está empenhado na atividade de acolhimento, ainda que, explica, «os ícones acolhem. Primeiro atraem-te, e tu vê-los, depois é o seu olhar que te vê e te acolhe».
Porque é que as pessoas chegam até aqui à procura de companheiros de caminho?
Uma das desgraças de hoje é que faltam os pais espirituais, pessoas que saibam indicar o caminho. É fácil ter um pouco de sede de Deus: se alguém escavar um pouco dentro de si próprio encontra essa sede. Mas depois é difícil encontrar alguém que te diga como chegar à profundidade do coração. Os jovens já não querem ser doutrinados, mas precisam de ter alguém que lhes indique o caminho como um amigo, não como um professor. Se se quer evangelizar, hoje é isto que é preciso. Chegam ao mosteiro, falam connosco e, aos poucos, emerge este desejo. Por isso vemo-nos a nós próprios a ter de lidar com esta humanidade, algo que desestabiliza um pouco os nossos esquemas. Como noutras épocas da História, nós, monges, somos chamados a deixar Deus na clausura para ir até Deus do lado de fora: deixamos o resto para encontrar e acompanhar quem bate à porta.
Há quem chegue de outras religiões?
Sim. Sobretudo religiões orientais ou de percursos espirituais de tendência oriental. E aí é preciso ter muito respeito e atenção. Tenho um aluno que vem do hinduísmo e é mestre de yoga. É muito atento, mas também eu o devo ser para permanecer no caminho com ele. De resto, Jesus disse Eu sou o caminho, a verdade e a vida, mas eu, que sou seu discípulo, procuro fazer verdade em mim, não sou a verdade, estou a caminho, e por isso sou irmão de quem tem uma outra verdade. O querer impor-se arruinou a Igreja durante séculos. As pessoas têm razão se nos culpam. Hoje não funciona assim, e não deve ser mais assim. S. Francisco teve a coragem de ir como indefeso e pobre para falar de fé e de amor ao sultão.
E os jovens?
Os jovens têm dificuldade em compreender a sua vocação. Procuram sinais, mas é realmente difícil encontrar quem te ajude a discernir quais são os sinais de Deus. É preciso um acompanhamento individual, porque, e isto é outra coisa típica deste tempo, as pessoas pedem para ser ajudadas individualmente, não coletivamente. E nós não devemos ter medo de ser poucos. Porque a Igreja começou com doze pescadores, que também eram ignorantes, e esse é o modelo. A cultura, por vezes, ensoberbece. No cristianismo ter poucos meios culturais torna muitas vezes mais fácil ter um contacto imediato com Deus, sem véus. Por aquilo que se é. E se não temos máscaras com Deus, ainda menos as teremos com os outros.
Falava de caminho e de companheiros de caminho. Como se situam os ícones nesta lógica?
São, certamente, um caminho, um caminho exigente. Se rezas diante de um ícone e a oração se torna intensa, dás-te conta que não és tu que vês o ícone, mas é o ícone que te vê. Tudo o resto está apenas em função desse olhar. Aqueles olhos são os próprios olhos de Deus, e isso faz-te fazer um caminho espiritual e, a certo ponto, faz-te descobrir que o ícone és tu. Que o Cristo és tu. Que se Deus se fez carne é porque a carne que nós somos se torna Deus.
E o caminho de quem aprende a fazer ícones?
Um curso de iconografia não é um curso de cerâmica ou de aguarelas, não é um curso em que se aprendem técnicas. As pessoas que só estão interessadas na técnica deixam de vir porque elas próprias dão-se conta de que se não se faz um caminho de conversão, o ícone não adquire a sua plenitude, podem fazer-se imagens que, no entanto, não são ícones. É precisamente a técnica iconográfica formada ao longo dos séculos que conduz a isto, porque o ícone é feito na oração para a oração; é feito em função da liturgia porque pertence à Igreja, e não a mim, que o pinto; é esta a razão porque os ícones não se devem assinar. Tudo isto requer uma superação do egoísmo, dos seus caprichos, do dobrar-se sobre si próprio. Há regras, cânones que fazem com que um ícone não se possa pintar como tu quererias, deves obedecer a leis que são da Igreja. Por isso, ou entras neste caminho, que é também de humildade e obediência, ou não o fazes. O ícone pede humildade, que é a virtude essencial de quem se avizinha de Deus.
Isto acontece a todos?
Todos os meus cursos começam com a realização de um ícone que representa o rosto de Cristo. Aos alunos sugiro duas passagens do Evangelho: João 12,20-23, com o pedido de alguns gregos ao apóstolo Filipe: «Queremos ver Jesus»; e Lucas 9,7-9, em que Herodes «procurava ver Jesus». Recordo que é preciso estarmos atentos ao nosso desejo de ver Jesus, porque pode ser uma exigência de fé, mas também um desejo curioso, sarcástico ou cínico. A experiência que se faz é que, no fim do percurso, apesar de se começar do mesmo objeto e dos mesmos instrumentos, cada rosto de Jesus que se realiza é diferente. O Cristo que pintas é aquele que transportas dentro de ti, aquele que estás à procura, aquele em que desejas acreditar. É a demonstração de que o ícone não é um quadro. Copia-lo, mas se o fazes na oração, esse ícone nunca será igual à matriz. Pintas o rosto de Cristo e emergem todos os medos e os desejos que temos dele, inclusive as falsas imagens, os preconceitos. No fim, contudo, pintar o ícone conduz a deixar-se amar por Deus, porque esse olhar é o olhar da sua misericórdia.
E o seu aluno de religião oriental?
Fez dois ícones do rosto de Cristo. Ao início com esforço. O seu caminho foi do panteísmo à concretude do Rosto de Deus. Era difícil para ele conceber um Deus transcendente à criação. E depois tinha sido marxista. Falámos muito disso. Fez até uma viagem à Rússia, indo aos mosteiros, leu o “Peregrino russo”. Hoje há muita gente que faz caminhos complexos deste tipo. É preciso saber colher a linha que o conduz. Ele chegou até aqui porque, disse-me, talvez sentisse a necessidade de um rosto concreto. E o Rosto de Cristo permite-lhe poder dizer que Deus não é abstrato e longínquo, está em todas as coisas mas no fundo é inacessível. Depois, como todos, também ele está a caminho.
Porque é que as pessoas sentem este desejo do Rosto?
O Salmo 33, no versículo 6, diz: «Aqueles que o contemplam ficam radiantes». No mundo de hoje é um convite essencial. O Rosto de Deus, se procurado por aquilo que verdadeiramente é, isto é, pura misericórdia, dá-te leveza na vida, liberta do pessimismo, dos horizontes restritos e de ansiedade: permite ir além dos teus limites. Se tens a coragem de te deixar olhar pelo Deus misericordioso, a tua vida muda e transforma-se em esperança, mesmo diante daquilo que parece impossível, fazendo-te encontrar soluções onde parece que não existem.
E o irmão Paolo?
Faz-me bem pensar no seu Rosto de omnipotência pelo qual mesmo nas piores situações sabemos que Ele sabe como transformá-las em bem; mas também pensar que Ele diante do mal parece impotente, assumindo-o até ao fundo para fazer surgir algo de belo. E depois penso que não precisaria tanto de o chamar de Altíssimo, mas de Baixíssimo, no sentido que se fez o último de todos os seres humanos, como dizia Charles de Foucauld não há pessoa que tenha uma condição de tal maneira baixa que Deus não seja ainda mais baixo que ela. E isto faz com que hajam missionários capazes de levar esperança às situações mais difíceis. Mas é também um Rosto que incomoda, porque implica que também eu seja capaz de abaixar-me, e não ficar no meu pedestal.
O difícil caminho para a humildade…
No caminho que se faz com o ícone é importante compreender que somos imagens de Deus, e que o Rosto nos convida a caminhar para a semelhança. Somos imagens como criaturas livres feitas para a relação, e caminhamos para a semelhança, que é tornarmo-nos filhos no Filho. Um caminho de oração em que é preciso apontar para a pureza do coração, que não significa ser sem pecados, mas é pedir o dom de poder ver e reconhecer a beleza espiritual em toda a realidade que nos circunda, e isto é o discernimento.