Jojo Betzler, de 10 anos, vive em Viena com a mãe viúva, durante os últimos meses do nazismo. Como todas as crianças e jovens do Reich, tem de entrar na Juventude Hitleriana. É o que Jojo faz, com grande entusiasmo e muitas expetativas. A sua aspiração é tornar-se um nazista perfeito. De tal modo que tem como amigo imaginário nada menos do que o seu ídolo, o führer, de quem, por seu grande desejo, se tornaria guarda pessoal.
Mas Jojo é uma criança doce, tímida e algo desajeitada, e isto condiciona-o nas “corajosas” provas a que são submetidos os jovens aspirantes nazistas. Todavia, malgrado o ridículo, não se rende. E, como os seus pequenos companheiros, continua a absorber todas as falsidades e absurdidades que o regime propagandeia sobre os inimigos, sobretudo os judeus. E fica fascinado. No entanto, a sua vida é virada do avesso quando descobre que a mãe esconde no sótão uma jovem judia. Que, com o tempo, não lhe parece assim tão diferente dele.
Esta é a trama de “Jojo rabbit”, realizado por Taika Waititi, um belo filme que estreará em Portugal a 30 de janeiro, e que trata, com ligeireza, mas sem desrespeito, o delicado tema do antissemitismo. E isso graças a sensibilidade e versatilidade do cineasta neozelandês que se mudou para Hollywood (“O que fazemos nas sombras” e “Thor: Ragnarok”), judeu da parte da mãe, e que também assina o argumento e assume o papel de um grotesco Hitler.
O ponto de força do filme de 108 minutos, livremente baseado no romance “O céu numa gaiola”, de Christine Leunens, é a veia satírica, que chega ao limite da caricatura, com que são apresentadas as deformações ideológicas, a sinistra propaganda e as manias do nazismo. A realização exacerba estes aspetos, desenhando personagens surreais, como o führer ou o capitão Klenzendorf (Sam Rockwell), o não de todo inteligente, mas tudo somado não malvado, responsável pelo campo de Hitlerjugend.
Contudo, os sorrisos suscitados pelas situações cómicas protagonizadas por Jojo começam a desvanecer-se na parte final do filme, quando a comédia dá lugar ao drama, ou seja, quando o pequeno protagonista, interpretado pelo grande Roman Griffin Davis, descobre a ferocidade nazista e a violência destruidora da guerra.
Graças a esta mistura – e também a uma banda sonora decididamente surpreendente, dos Beatles a Div Bowie, de Roy Orbison a Johan Strauss – “Jojo rabbit” conseguiu conquistar a simpatia do público do festival de Toronto, que o premiou como melhor filme. E enquanto tal concorre ao Óscar, com mais cinco nomeações: atriz secundária (Scarlett Johansson, como mãe do Jojo), argumento adaptado, montagem, cenografia e design de figurinos.
Em síntese, um belo cartão de visita para este filme que parece querer falar mais aos adultos do que às crianças, advertindo para as perigosas manipulações que passam através dos preconceitos e da ignorância.
Salvaguardadas as devidas distâncias, Waititi é devedor de filmes como “O grande ditador” (Chaplin), “Ser ou não ser” (Lubisch) e, porque não, “Sacanas sem lei” (Tarantino), em que o cinema conseguiu fazer sátira inteligente, assim como pungente, sobre o nazismo, ridicularizando-o, e deste maneira desmascarando, com eficácia, a desumanidade, as mentiras e os crimes abomináveis.
Uma operação sempre necessária, tendo em conta os ressurgimentos de uma xenofobia e de um antissemitismo nunca derrotados, e que, infelizmente, continuam a infestar o presente.