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História

Jesuítas e investigação científica em Portugal: factos e enganos

É hoje indiscutível que a Companhia de Jesus foi essencial para o desenvolvimento do ensino científico na Europa entre os séculos XVI e XVIII. Apesar do ensino não ter sido uma das atividades à qual inicialmente Santo Inácio de Loyola e os seus companheiros se pretendiam dedicar quando fundaram a Companhia de Jesus em 1540, cedo se tornou uma prioridade. Em 1548 foi fundado o primeiro colégio a cargo dos Jesuítas, em Messina, ao qual se seguiu a fundação de importantes instituições de ensino em Portugal, como o Colégio de Santo Antão (Lisboa, 1553), o Colégio das Artes (Coimbra, 1553) e a Universidade (Évora, 1559).

Em 1580 a rede de ensino dos Jesuítas contava com 144 colégios e, à data da supressão, em 1773, a Companhia dirigia mais de 800 estabelecimentos de ensino, tendo a seu cargo dezenas de milhares de estudantes, em todo o mundo. 14 anos depois da fundação, em 1554, foram adotadas as Constituições da Companhia de Jesus onde se estabeleceram as matérias que se deveriam ensinar nos Colégios e nas Universidades. Nestas constituições fundacionais, o ensino é apresentado como uma ferramenta essencial para a salvação. É estabelecido que os estudos realizados nos Colégios da Companhia deveriam ter como fim ajudar o próximo “a conhecer e amar a Deus, e a salvar a sua alma.”

Para adquirir uma boa formação teológica, doutrinal e prática, foi ainda determinado que nas Universidades se devia estudar literatura (latina, grega e hebraica) e ciências naturais. As ciências naturais eram importantes, uma vez que “dispõem os espíritos para a teologia, e servem para se ter dela perfeito conhecimento e prática, ao mesmo tempo que são já por si próprias, um auxílio para o mesmo fim.”

Ao analisar as Constituições e a Ratio Studiorum, documento fundacional da pedagogia inaciana, percebe-se que, apesar do núcleo central da formação ser constituído pelas humanidades, entre as quais se destacavam a filosofia e a teologia, as ciências naturais e a matemática ocuparam um lugar com algum destaque, pelo menos em comparação com as outras ordens religiosas.

A rede de escolas fundadas pelos Jesuítas em Lisboa, Coimbra e Évora foi decisiva no ensino científico e na divulgação e construção de instrumentos científicos em Portugal, dos quais a construção dos primeiros telescópios e o início do debate cosmológico em torno de Galileu são exemplos emblemáticos.

A Aula da Esfera, classe pública de matemática, que funcionou ininterruptamente entre 1590 e 1759, no Colégio de Santo Antão em Lisboa, representou a porta de entrada em Portugal de temas científicos tão importantes como os logaritmos, o telescópio ou a projeção de Mercator. A sua longevidade e a diversidade de matérias ensinadas (geometria, ótica, perspetiva, arquitetura e engenharia militar, entre outras) foram consideradas únicas no ensino da matemática em contexto português. Estes factos são hoje bem conhecidos entre os especialistas, e têm vindo a ser progressivamente divulgados a um público geral.

Com uma história peculiarmente acidentada, a Companhia de Jesus foi expulsa dos territórios portugueses em 1759, em 1834 e em 1910. Nestes três momentos, protagonizados pelo Marquês de Pombal (1699-1782), por D. Pedro IV (1798-1834) e por Afonso Costa (1871-1937), geralmente considerados distintos e inconfundíveis, podemos encontrar um denominador comum que não se prende apenas com a extinção da Companhia de Jesus dos territórios portugueses, mas que se relaciona antes com as razões dessa expulsão.

De facto, um dos eixos centrais das campanhas e da abundante propaganda levada a cabo pelo Marquês de Pombal contra a Companhia de Jesus consistiu em apresentar os Jesuítas como os principais responsáveis pelo atraso educativo e científico português em contexto europeu. Este conceito de que os Jesuítas eram incultos e contrários ao progresso científico foi apropriado, com grande competência, pela sociedade portuguesa no período pós-Pombalino e manteve-se praticamente inalterado até ao restabelecimento oficial da Companhia em Portugal, no ano de 1880. Num Portugal dominado pela visão positivista de Auguste Comte (1798-1857), o argumento utilizado pelo Partido Republicano Português (PRP) para a expulsão das ordens religiosas a 8 de outubro de 1910 foi ainda o de que os Jesuítas eram o maior obstáculo ao progresso científico em Portugal.

A longevidade e influência do argumento que relaciona os Jesuítas com o atraso científico foi de tal modo significativa na cultura portuguesa que se tornou quase que uma premissa universalmente aceite (com poucas exceções) até meados do século XX. Esta tese, como dissemos, está já hoje praticamente superada entre os especialistas, no que se refere ao período entre os séculos XVI e XVIII. Contudo, mantém-se ainda para a história da Companhia nos séculos XIX e XX.

No caso português, a evidência que confirma um envolvimento estreito com o ensino e a prática das ciências naturais, nos séculos XIX e XX, nos colégios dos Jesuítas, é abundante mas quase desconhecida. A Companhia de Jesus fundou e manteve em funcionamento duas importantes instituições de ensino secundário em Portugal: os Colégios de Campolide em Lisboa e de São Fiel em Louriçal do Campo, no distrito de Castelo Branco, de 1858 a 1910. Estes Colégios foram pioneiros no ensino e na investigação de áreas científicas tão díspares como a Física, a Astronomia, a Botânica e a Zoologia em Portugal, pelo que o estudo das suas atividades científicas representa uma ferramenta essencial para compreender a História da Ciência em Portugal neste período. (...)

 

O Colégio de Campolide

Entre 1858 e 1910, os Jesuítas portugueses dedicaram-se ao ensino da Física, da Zoologia e da Botânica, nos Colégios de Campolide e de São Fiel, com o objetivo de incentivar os seus alunos a interessarem-se pelo estudo das Ciências, num sentido mais lato. Para além das aulas, também as expedições, as academias científicas e a execução de experiências laboratoriais foram uma prioridade para os professores de Campolide e de São Fiel. Este investimento da Ordem Inaciana na investigação e ensino científicos foi uma resposta direta às acusações de obscurantismo de que os Jesuítas eram alvo desde os tempos do Conde de Oeiras e permitiu-lhe alcançar uma grande notabilidade científica entre os seus pares, de que são exemplo a fundação da Sociedade Portuguesa de Ciências Naturais e o acolhimento da revista Brotéria pela comunidade científica portuguesa e internacional.

O Colégio de Maria Santíssima Imaculada foi fundado em 1858 por Carlos Rademaker S.J. (1828-1885) na Quinta da Torre, em Campolide, onde atualmente se encontra a Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa. Este colégio teve um grande impacto na cultura portuguesa, a partir de meados do século XIX, particularmente por ter sido a instituição de ensino pré-universitário responsável pela educação dos jovens pertencentes às camadas mais altas da Sociedade Portuguesa. O Colégio de Campolide foi, essencialmente, um colégio de elites. Aliás, este foi um dos argumentos utilizado pelos opositores da Companhia de Jesus em 1910. Era essencial que se encerrassem os colégios dirigidos pelos Jesuítas e que fossem expulsas as ordens religiosas dos territórios portugueses. Só desta forma é que era possível, na visão de Manuel Borges Grainha (1826-1925), um dos principais adversários da Companhia de Jesus no início do século XX, impedir que os Jesuítas continuassem a exercer a sua influência na educação da nobreza lisboeta.

Como nos restantes colégios Jesuítas, o Colégio de Campolide fomentava a criação de “academias” científicas, indo de encontro às disposições da Ratio Studiorum. Estas academias, constituídas pelos melhores alunos de diversos anos, ofereciam aulas especiais aos seus membros, onde se discutiam assuntos científicos atuais e de particular importância. Por vezes, estas academias organizavam sessões solenes e eram apresentadas várias comunicações científicas para todos os alunos do colégio e suas famílias. Privilegiava-se nestas sessões uma abordagem experimental aos assuntos, em detrimento de um estudo meramente teórico. A primeira sessão científica em Campolide deu-se em 1873 e foram escolhidos 4 alunos para apresentar algumas experiências sobre as propriedades da luz. Nas sessões solenes, que decorreram até 1910, os alunos de Campolide apresentaram palestras sobre temas tão diversos como eletricidade, magnetismo e propriedades dos líquidos e dos gases.

Oficialmente, a Academia Scientifica e Litterária de Maria Santíssima Imacculada foi fundada em 1904, com objetivo de promover uma sólida instrução científica e o bom gosto literário. A Academia era presidida por Luís Gonzaga Cabral S.J. (1866-1939), reitor do Colégio, enquanto que António Oliveira Pinto S.J. era o responsável pela Secção de Sciencias. Para além dos 18 membros efetivos, escolhidos entre os melhores alunos, a Academia de Campolide contava com dois membros honorários, o Príncipe D. Luís Filipe (1887-1908) e o Infante D. Manuel de Bragança (1889-1932), desde 14 de março de 1905, data em que presidiram à sessão em Campolide.

A existência destas Academias Científicas tem sido ignorada nos estudos sobre o ensino científico no nosso país, a par de outras instituições científicas também relevantes, mas ainda pouco estudadas, como as escolas militares e os observatórios astronómicos. No entanto, estas Academias dos Colégios Jesuítas tiveram um papel de relevo no ensino das ciências e, por isso, também no desenvolvimento científico português. O enfoque marcadamente experimentalista que caracterizava as atividades das Academias distinguem-nas por completo do que era a prática mais usual no nosso país nesse período. No Colégio de Campolide, existia ainda, a par das academias científicas e literárias, um Museu de História Natural e um Gabinete de Física equipado com instrumentos de Raios-X, um telégrafo sem fios e outros equipamentos eletromagnéticos.

 

António Oliveira Pinto e as primeiras experiências com Radioatividade em Portugal

Entre os jesuítas que contribuíram para a ciência inclui-se António da Costa e Oliveira Pinto (1868-1933), professor do Colégio de Campolide, figura incontornável para o estudo da História da Física em Portugal no início do século XX.

Foi um dos fundadores da Sociedade Portuguesa de Ciências Naturais (SPCN) em 1907, que contou entre os 22 fundadores sete jesuítas, uma clara indicação do empenho com que, por esses anos, os membros da Companhia de Jesus acompanhavam as investigações científicas em Portugal.

Revelou-se um promotor dos estudos experimentais e, ele próprio, um experimentalista de cariz internacional. Terá sido dos primeiros cientistas portugueses a fazer experiências com TSF, no Colégio de Campolide, e o primeiro a apresentar uma comunicação, contendo resultados originais, no segundo Congresso de Radiologia e Ionização em Bruxelas, no ano de 1910, depois de uma viagem científica onde passou pelo laboratório de Marie Curie e aprendeu as técnicas radiológicas mais recentes.

 

Esta transcrição omite as notas de rodapé.

 

Francisco Malta Romeiras, Henrique Leitão
In Brotéria, janeiro 2012
Atualizado em 13.08.12

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