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Igreja tem o dever de «pensar para além do totalitarismo da sociedade do trabalho»

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Igreja tem o dever de «pensar para além do totalitarismo da sociedade do trabalho»

O crítico literário António Guerreiro vincou hoje, em Lisboa, que os católicos têm o dever de apresentar alternativas a um modo de vida dominado pela atividade profissional e que renuncia a dimensões essenciais da existência humana.

«Reclamo da Igreja o pensar para além do totalitarismo da sociedade do trabalho», frisou no primeiro encontro do ciclo "Escutar a cidade", que visa conhecer a reflexão sobre aspetos decisivos da sociedade da parte de quem vive na diocese lisboeta, que se encontra a realizar um sínodo, mas não partilha a pertença eclesial.

O conferencista sublinhou que «é preciso pensar para além da sociedade do trabalho», e salientou que «a Igreja sabe muito bem o que é o ócio, o lazer, a contemplação», conhecendo também o que significa a atividade laboral enquanto «servilismo».

O princípio bíblico «a Deus o que é de Deus, a César o que é de César» «foi desviado das suas intenções primeiras», e por isso «legitimou a ausência da Igreja nas coisas do mundo» e «fez que com que a política se esquecesse que lida com conceitos teológicos secularizados».

Para António Guerreiro, «fé e crença não são definições exatamente iguais para todos», mas «não é possível imaginar uma vida em que a dimensão da secularização se imponha em todos os domínios», nem se pode «conceber a atividade artística num universo completamente secularizado».

Segundo o autor, constata-se que há «uma exigência escatológica» que regressa sob a forma secularizada de «catástrofe», como é manifesto no «estado de exceção» ditado por vários governos, prática que constitui uma «paródia» do «juízo final».

«Há uma mentira enorme, que é preciso tentar atenuar, que diz que o desemprego é uma condição provisória» a ser resolvida com o crescimento económico, referiu, para a seguir defender que «o investimento serve simplesmente para diminuir os trabalhadores, e não para os aumentar».

A análise de António Guerreiro centrou-se igualmente nos «lugares comuns» que habitam o discurso político, a começar pela «crise», entendida de maneira «acrítica», e que, muito por causa da passividade, se converteu em «forma de dominação e de governação», sendo apresentada como «um estado de exceção que se tornou regra».

Por seu lado, a economia, que «não pode ser dita apenas com a linguagem económica» em que os portugueses estão «imersos», «estendeu o seu poder a todos os domínios da vida», nada havendo «que escape à economização integral das relações humanas».

«Este totalitarismo tem um efeito absolutamente nefasto, que é o da despolitização generalizada da sociedade», salientou, acrescentando que «a hegemonia da economia faz com que a vida política se tenha tornado meramente gestionária».

«A política é hoje uma questão de controle dos efeitos», quando antes era um modo de gestão das causas, declarou o orador, que lembrou o filósofo alemão Walter Benjamim, para quem «o capitalismo era a mais feroz das religiões», não conhecendo «nem feriados nem dias de redenção».

Perante este quadro, o «futuro», que antes se conseguia «projetar» mas agora foi erradicado do tempo, não é prometedor: «Provavelmente é aquilo do qual nós fomos, de alguma maneira, espoliados».

Por isso, a «precariedade», que tem sido «aplicada quase exclusivamente às questões do trabalho e desemprego», corresponde «não só a um novo paradigma económico, mas também existencial».

«Sem fé ou crença não é possível o futuro; só há futuro se podemos esperar ou crer em algo», realçou António Guerreiro, que elogiou este ciclo de conferências, pois «a cidade é para ser escutada».

«A experiência deste tempo é qualquer coisa que a Igreja não pode deixar de fazer», ela que deve «ter a capacidade de ler os sinais dos tempos», afirmou.

No entender do ensaísta, «evocar a questão da cidade é uma maneira mais ou menos subtil de reclamar a noção grega de “polis”», numa «dimensão política no sentido mais amplo e nobre da palavra»: «Foi a esse apelo que tentei responder».

O encontro contou também com as intervenções de Maria Benedicta Monteiro, professora catedrática que se tem dedicado a questões interétnicas e comportamentos racistas subconscientes, e José Machado Pais, sociólogo e investigador principal do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.

A próxima sessão do ciclo "Escutar a cidade", marcada para 12 de fevereiro, no Fórum Lisboa, das 19h00 às 21h00, centra-se nas questões da política, participação e democracia.

 

Rui Jorge Martins
Publicado em 19.01.2015 | Atualizado em 24.04.2023

 

 

 
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«Este totalitarismo tem um efeito absolutamente nefasto, que é o da despolitização generalizada da sociedade», salientou, acrescentando que «a hegemonia da economia faz com que a vida política se tenha tornado meramente gestionária»
«A experiência deste tempo é qualquer coisa que a Igreja não pode deixar de fazer», ela que deve «ter a capacidade de ler os sinais dos tempos»
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