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Homo viator - On the road

Em torno de "Os Itinerários Culturais do Conselho da Europa - Caminhos de fé e de encontro"

 

Curiosamente, mas não por casual coincidência, quando se aproximava o final do Ano Europeu do Património Cultural – cuja importância o Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura assinalou, difundindo o discurso sumular e autorizado de Guilherme d’Oliveira Martins –, o Palácio da Europa em Estrasburgo acolheu, a 27 de novembro de 2018, uma atividade invulgar da Missão Permanente da Santa Sé no Conselho da Europa: um Colóquio sobre os Itinerários Culturais enquanto caminhos de Fé e de Encontro.

Essa iniciativa foi indubitavelmente relevante, quer por decorrer da consciência de que esses itinerários, sendo desde a sua origem grandes caminhos de peregrinação, constituíram historicamente fatores decisivos de formação da Europa e das suas nações (fecundando-a como matriz cristão, num processo de mobilidade e intercâmbio paralelo à ação de São Bento e às suas casas sacras de enraizamento), quer por poderem traduzir-se hoje em não menos importantes fatores de conhecimento mútuo, de interação entre povos e de coesão comunitária.   

Além da importância inerente à temática que nos convocava a Estrasburgo nestes dias, os delegados das Conferências Episcopais das várias nações puderam apreender e partilhar a importância da Missão Permanente da Santa Sé no Conselho da Europa, coração da União Europeia; e puderam ponderar as questões mais candentes da relação hodierna entre Fé católica e cultura (pendores do pensamento e manifestações lúdico-artísticas, mas também modos de vida, processos sociais e coonestações ideológicas).



No que respeita aos Itinerários Culturais, propomo-nos não só marcar com aquela poética da Espiritualidade católica os modos referidos do atual turismo cultural, mas também tomarmos a iniciativa nesse domínio, gizando uma geopoética cristã e delineando percursos alternativos de geografia literária e artística em torno de lugares e trajetos



Essas questões foram objeto de elucidativos testemunhos da generalidade dos participantes, mas sobretudo de luminosas palestras do Cardeal Bagnasco e do Arcebispo Jesus Sanz Montes, tão lúcidas e fundamentadas na análise do mainstream e do establishment, quanto clarividentes e sugestivas para o confronto cristão com esse contexto. 

Ao mesmo tempo, este encontro constituiu a primeira grande iniciativa com apresentação no espaço público da nova Comissão de Evangelização e Cultura, presidida pelo Bispo lituano D. Zbignevs Stankevics, e da sua secção para a Cultura, chefiada pelo Arcebispo de Oviedo, D. Jesus Sanz Montes. O valor simbólico desse ato inaugural e da resposta das Conferências Episcopais das várias nações europeias ao convite para participação foi repetidamente sublinhado Cardeal Angelo Bagnasco, Presidente do Conselho das Conferências Episcopais Europeias, e pelos mais altos responsáveis do encontro, que se desdobrou em jornada de trabalho, a 28 de novembro, no Centre Culturel Saint Thomas.  

A propósito do que nesse contexto tive oportunidade de manifestar como delegado da Conferência Episcopal Portuguesa, importa reavivar o que é próprio da nossa peculiar missão apostólica – a dialética entre evangelizar a Cultura através da dinâmica social e evangelizar a Sociedade através da dinâmica cultural – e considerar nessa perspetiva o significado e as potencialidades pastorais dos Itinerários Culturais e das Peregrinações.

Com efeito, segundo o nosso discernimento cristão, o imaginário das Rotas culturais e a frequência dos seus percursos vêm inscrever naquela dialética um traço indelével da condição humana e uma tendência recorrente na vida contemporânea, a saber, a natureza do homo viator iluminada pela melhor tradição do humanismo cristão e o impulso para viver, como diria um emblemático título da Beat Generation, on the road. Peregrinam muitos, hoje, por ditame da consciência doutrinada e operante, já em vivência de piedade orante, ou ainda em fase de intencionada ascese e edificante recentramento espiritual (em réplicas mais ou menos singelas do alto exemplo de almas como a de Charles Péguy). Movem-se outros em errâncias existenciais supostamente transviadas, mas buscando o encontro com a face de Deus – como descobria o aludido Jack Kerouac.



Enfrentamos um duplo desafio e ensaiamos um duplo movimento de resposta: impregnar de valores cristãos os itinerários culturais da sociedade civil e impregnar de valores culturais os itinerários católicos de peregrinação



Assistimos em Portugal a um surto considerável de turismo cultural, que passa em grande parte pela figura do itinerário: rotas literárias, rotas monumentais, visitas guiadas, passeios temáticos, etc.

Atenta a esse fenómeno sociológico – de que desde cedo também faz parte, com o projeto da “Rota das Catedrais”, de âmbito nacional, e com iniciativas de âmbito diocesano -, a Igreja não só lhe dedica o trabalho da Obra Nacional da Pastoral do Turismo, mas procura também evangelizá-lo através da ação coordenada dos seus Secretariados da Comissão Episcopal da Cultura, dos Bens Culturais e das Comunicações Sociais.

Por um lado, o Secretariado dos Bens Culturais (históricos e artísticos de matriz religiosa), não numa perspetiva meramente museológica ou mecanicamente erudita do Património, mas sim de atualização irradiante do seu conhecimento e de dinamização da relação espiritual com ele.

Por outro lado, o Secretariado da Pastoral da Cultura que cuida de difundir uma poética da Espiritualidade, em interação quer com os círculos criativos do pensamento, das artes, da literatura, nas elites urbanas, quer com os valores culturais da religiosidade popular nos espaços rurais ou provinciais.



É devida atenção especial ao incremento e ao enquadramento religioso-cultural dos itinerários e das peregrinações, à refontalização doutrinada das tradições de religiosidade popular, ao envolvimento dos meios de cultura urbana por uma incontornável revitalização das presenças cristãs na vida coletiva e no espaço público



No que respeita aos Itinerários Culturais, propomo-nos não só marcar com aquela poética da Espiritualidade católica os modos referidos do atual turismo cultural, mas também tomarmos a iniciativa nesse domínio – quer associando facetas culturais às romagens tradicionais a santuários e templos (Caminhos de Fátima, Caminhos de Santiago, Caminhos da Padroeira – Nossa Senhora da Conceição, Rainha de Portugal, etc.), quer gizando uma geopoética cristã e delineando percursos alternativos de geografia literária e artística em torno de lugares e trajetos de criadores católicos (músicos, pintores, escultores, arquitetos, escritores, encenadores, fotógrafos, cineastas…).

Em suma, pois, enfrentamos um duplo desafio e ensaiamos um duplo movimento de resposta: impregnar de valores cristãos os itinerários culturais da sociedade civil (tanto os de tradições antigas tributárias da religiosidade popular, quanto os de notoriedade mais recente e contaminada pelos interesses económicos e políticos do turismo cultural e/ou religioso) e impregnar de valores culturais os itinerários católicos de peregrinação.  

Evidentemente, na adoção dessa perspetiva e no compromisso com esse projeto estão implícitas razões que me parecem merecer mais dilatada reflexão no seio da Igreja em Portugal, bem como motivar renovadas orientações e investimentos maiores na Pastoral da Cultura.

Por um lado, atenção especial ao incremento e ao enquadramento religioso-cultural dos itinerários e das peregrinações, à refontalização doutrinada das tradições de religiosidade popular, ao envolvimento dos meios de cultura urbana por uma incontornável revitalização das presenças cristãs na vida coletiva e no espaço público.

Por outro lado, interrogação sobre o grau atual de difusão internacional dos caminhos portugueses de peregrinação e ponderação da sua integração na rede europeia dos itinerários religiosos e/ou culturais. 


 

José Carlos Seabra Pereira
Diretor do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura
Imagem: Bigstock.com
Publicado em 21.01.2019, "Observatório da cultura", n. 24 (abril 2019) | Atualizado em 24.04.2023

 

 
 
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