As religiosas de clausura também estão empenhadas na batalha contra o coronavírus. Com a oração. Oferecemos o texto composto por uma freira clarissa natural da região de Bérgamo, um dos principais epicentros do Covid-19 em Itália, que tem registado nos últimos dias centenas de vítimas mortais, entre as quais dezenas de sacerdotes.
Exílio de amor
Senhor, peço-te desculpa/ se o meu coração não está todo contigo. Tenho uma dor, dentro de mim, que grita:/ a minha gente sofre muito.
Eu estou aqui, em exílio de amor,/ porque um dia me roubaste o coração:/ disseste-me: «Não tenhas medo, dá-me a tua vida,/ e Eu te darei tudo de mim».
Desde quando era pequenina,/ os meus olhos estavam sobre ti/, e pensava: “Esta menina (criança), quero-a toda só para mim”.
Verás, encontrar-te-ei feliz,/ não te prometo o Paraíso na terra,/ mas, ainda que o teu corpo esteja em clausura,/ serás mãe de todo o mundo, junto a mim».
Mas hoje, Senhor, o meu coração chora,/ porque esta doença que faz medo,/ é como uma fúria, corre de casa em casa,/ esfomeada, ávida, e nunca se sacia!
Muitos até não a passam mal:/ um pouco de febre, um pouco de tosse, um pouco de frio,/ mas muitos jazem pelos hospitais,/ intubados, ou ligados aos ventiladores.
Mas são tantos, Senhor, aqueles que morrem,/ sem ter junto de si os seus amados./ Os médicos, os enfermeiros não podem mais:/ por quanto tempo, Senhor, durará ainda?
Peço-te piedade, Senhor, por tanta gente,/ que te reza, que tem confiança em ti;/ tantos, porventura, tinham-te esquecido,/ e agora erguem os olhos ao Céu.
Tantos, talvez, estão desesperados,/ porque porventura nunca te conheceram; / tem piedade, Senhor, e olha para nós,/ com os teus olhos repletos de amor por todos.
Tu sabe-lo, Senhor, que neste momento,/ gostaria de estar também eu com a minha gente:/ custa-me um pouco, Senhor, e quero dizer-to:/ eu aqui, em segurança, e eles no meio da dor;
no meio do medo, do desespero,/ ou a serem corajosos, dizendo-se: «Força, isto vai passar!»,/ ou a cantar a plenos pulmões nas varandas,/ para dizer que só todos juntos conseguiremos.
Tem paciência, Senhor, escuta um momento/ aquilo que agora me vem à mente:/ não me parece uma coisa errada,/ aliás, penso que te agradará:
Mistura algumas gotas do teu sangue/ com as minhas lágrimas, para consolar esta pobre gente/ Eles terão um pouco de alívio,/ e também Tu, eu serei que ficarás contente.
Porque o teu sangue, Senhor, é remédio:/ ali, sobre a cruz, derramaste-o, por isto!/ E as minhas lágrimas? Talvez não valham nada,/ mas pelo menos, como uma gotinha de água,/ para tirar a sede, para dar um pouco de alívio a estes corações.
E agora gostaria de dizer uma palavrinha/ a todos vós, que estais aí nesta desgraça,/ mas não a todos juntos gostaria de a dizer:/ um por um, cada um por si.
Não tenhas medo, agora digo-te eu aquela palavra que o Senhor me disse./ Porque é verdade: eu estou aqui em clausura,/ mas o meu coração está aí, próximo de ti.
O meu corpo, sim, está fechado,/ mas com o Senhor, eu dou a volta ao mundo:/ e queres que o primeiro lugar aonde vá não seja no meio da minha gente?
Recordo-te aquele provérbio, que diz:/ «É longo como uma Quaresma»?/ Mas a Quaresma está destinada a acabar,/ e depois há a Páscoa da ressurreição.
Agora, estamos como em Sexta-feira Santa,/ mas verás, tudo acabará,/ mas seguramente, quando acabar,/ um pouco amachucados, sim, mas seremos melhores.