A escassa importância dada na aprendizagem ao despertar para a beleza está ligada a uma conceção muito utilitária da educação, que visa antes de tudo transmitir conhecimentos, métodos, rigor. Forma-se o espírito e dá-se uma educação moral esquecendo a sensibilidade. Daqui a importância da educação dos sentidos: aprender a ver, escutar, tocar, saborear, a acolher esta experiência algo profunda de si e dos outros que passa pela sensação, para descobrir que se pode ter prazer em ver as coisas belas.
É uma educação para a sensação, mas também para a sensibilidade interior, quer dizer não se trata apenas de sentir, mas também de ressentir, de estar atento às nossas emoções e ser capaz de as nomear: aquilo agrada-me e dá-me prazer, ou, ao contrário, aqueloutra provoca desprazer.
Esta educação para a beleza pode traduzir-se concretamente na família desde logo ao tomar consciência do contexto onde as crianças vivem. Por vezes há a tendência de dizer que a beleza é um luxo reservado a uma elite, e que não faz parte das coisas essenciais da vida através das quais uma pessoa acredita que se pode desenvolver. É preciso abrir a vida dos mais pobres a esta dimensão. Não é uma questão de dinheiro nem de luxo, mas de qualidade, que vai alimentar o sentido daquilo que é bem feito, e estimula na pessoa o desejo de se aperfeiçoar.
A criança precisa também de nós para enriquecer as suas experiências, para a colocar em contacto com belas paisagens naturais, fazê-la deter-se num rosto, numa música, numa obra de arte. Numa época muito marcada pela urgência e o consumo, é importante reservar tempo para lhe fazer verbalizar as suas emoções: sinto-me bem, o dia está bonito, parar, respirar, descrever o que se ressente. É por este caminho que se entra na dimensão da contemplação e que há abertura à admiração e ao louvor.
O espírito crítico tem sido cultivado em detrimento do louvor e da admiração, como se a beleza fosse indecente no meio das misérias do mundo, num século XX marcado pelo sofrimento, a pobreza, as tragédias. Não será prioritário ir ao encontro dos pobres, das pessoas que sofrem, os males e o horror sofridos pelos nossos irmãos. Porém, há sempre dois mistérios a aprofundar em conjunto: o enigma do mal, que deve ser interrogado (é preciso que todos aqueles que têm recursos espirituais procurem confrontar-se com esta questão e juntar-se aqueles que por ele são apanhados), mas também o mistério do belo, que abre igualmente dimensões abissais.
É preciso recusar esta espécie de injunção segundo a qual é preciso escolher ou a estética, que alegadamente nos desviaria da ação, ou a ação social, que nos afastaria da beleza e da contemplação.
A beleza suscita o desejo. E não se consegue a moção de quem não é capaz de se emocionar. É uma das facetas pelas quais o absoluto se dá a ser apreendido neste mundo. Ela vem tocar-nos no sensível, religando a nossa intimidade e uma fração do mundo que de repente faz sentido. Esta experiência torna-se o ponto de partida de uma busca. A coisa bela é também algo de Deus que se manifesta e nos eleva para Ele pelo desejo e pelo amor. É uma experiência que nos conduz ir procurar de onde Ele vem. Ao contrário do estetismo, que tende a fechar-se em si próprio, a experiência da beleza é um caminho para Deus.
O nosso tempo conheceu tantas desfigurações do humano, como os campos de concentração, os totalitarismos, que, forçosamente, os artistas quiseram dizer esse horror. A finalidade da arte não é desviar-nos da realidade, voltando-nos para um belo imaginário que cobre a fealdade do mundo para no-la fazer esquecer, como uma espécie de narcótico.
É sabido até que ponto se criticou uma religião que fosse como uma espécie de ópio do povo para fazer esquecer o mal. A beleza pode também tornar-se num ídolo, uma espécie de ideal suspenso no ar que não seria incarnado no real. Os cristãos estão bem posicionados para o compreender, numa religião da incarnação, onde o próprio Cristo aceitou desfigurar-se sobre a cruz.
É normal que a arte contemporânea tenha querido estilhaçar o ídolo da beleza, com o risco, evidentemente, de desenvolver uma arte niilista que nega toda a esperança. Cabe aos artistas cristãos procurar mostrar como a fealdade se deixa transformar pela beleza. Os quadros de um pintor como Georges Rouault são muito sombrios em determinadas perspetivas, mas ao mesmo tempo – penso, nomeadamente, nas suas representações de Cristo – ele mostra como o horror se deixa transfigurar pela beleza.
A beleza não é o bonito, é o que faz com que uma forma se deixe transfigurar pela luz. Quando se olha um vitral do exterior, é baço e sem cor. Mas quando é contemplado do interior, habitado pela luz, fica completamente transfigurado. Veja-se o retábulo de Issenheim: numa face temos Cristo torcido de dor, e na outra o mesmo Cristo resplandecente na glória da ressurreição.
O sentido da beleza educa-se, não através de apreciações prontas a consumir - «é belo, não é belo» -, mas aprendendo a ver, a escutar, a contemplar. Educar o sentido da beleza é cultivar a atenção e a admiração. Porque a beleza só se dá àquele que sabe reservar tempo para a saborear. Pode visitar-se os mais belos museus do mundo ou multiplicar as viagens a lugares excecionais, e ainda assim passar ao lado da beleza, por não se ter sabido parar para se deixar “domesticar” por ela. Se se olha para uma obra de arte de passagem, dir-se-á talvez «gosto» ou «não gosto», mas não se saberá nada da sua beleza. O mesmo se nunca se ouve música sem a ela se consagrar inteiramente, se a música não for mais que um fundo sonoro para habitar o silêncio.
As obras de arte não estão reservadas aos adultos. Os meios de reprodução modernos oferecem a possibilidade de dar a descobrir às crianças incontáveis maravilhas, quer se trate de música ou de pintura. Porquê limitar o universo das crianças às imagens “para crianças” e às cançõezinhas? Não se trata de impor às crianças as nossas preferências em matéria artística. Trata-se de lhes dar a possibilidade de formar o seu próprio gosto, oferecendo-lhes todas as ocasiões possíveis de estar em contacto com a beleza. Como aquela criança que, a cada mês, vê uma revista de arte com a sua avó, a qual, em vez de lhe declarar as suas preferências, a ajuda a afirmar as suas, encorajando-a a exprimi-las.
Não subestimemos as nossas crianças: não somente são capazes de saborear o gosto de uma obra de arte ou o esplendor de uma paisagem, como delas têm necessidade. Elas constroem as crianças, ajudam-nas a crescer e proporcionam-lhes uma verdadeira alegria. E essa beleza ajuda-as a acreditar em Deus, que é totalmente beleza.