«A consciência de um destino comum para a humanidade, um destino frágil e ameaçado, atraiu toda a sua atenção, promovendo a necessidade de um processo de civilização dirigido a colocar no centro o ser humano, e não o poder do dinheiro.»
«Individua uma multiplicidade de raízes mediterrâneas, mas não propriamente um país, uma particular herança cultural ou uma tradição. Este facto, tornou-o disponível, até do ponto de vista biográfico, para procurar a verdade nas fontes mais diversas, sem nenhum tipo de reserva.»
Duas evocações, a primeira uma mensagem do secretário de Estado da Santa Sé, cardeal Pietro Parolin, em nome do papa Francisco, a segunda de José Tolentino Mendonça, também membro do Colégio Cardinalício, assinalaram nestes dias o centésimo aniversário do filósofo e sociólogo francês Edgar Morin, a celebrar no dia 8 de julho.
Em mensagem lida na sexta-feira pelo observador permanente da Santa Sé na UNESCO, em Paris, o prelado italiano recorda a atitude consistentemente manifestada a Edgar Morin, pseudónimo de Edgar Nahoum, de «promover a cooperação entre os povos, construir uma sociedade mais justa e humana, e renovar a democracia».
Neste sentido, o pensamento do filho de judeus de tradição sefardita, publicado em Portugal através de mais de quarenta títulos, acentua «a necessidade de redescobrir, entre nós e nas nossas cidades, um espírito de solidariedade, convivialidade e fraternidade, favorecendo atitudes de acolhimento e de abertura».
O Card. Parolin destaca igualmente os múltiplos «pontos de contacto» entre o pensamento do filósofo e o ensinamento de Francisco, que conserva «a feliz recordação» do encontro entre ambos, a 27 de junho de 2019, e o «entusiasmo» com que aderiu ao Pacto Global para a Educação lançado pelo papa em 2020.
Na mensagem enviada por ocasião de uma mesa-redonda dedicada pela UNESCO a Edgar Morin, o secretário de Estado salienta o apoio do investigador a um avanço tecnológico acompanhado pelo avanço moral – o conceito de «ciência com consciência», título de um dos seus livros - e agradece os «esforços que realizou durante a sua vida ao serviço de um mundo melhor».
O Card. Tolentino lembra, na crónica semanal que assina no semanário “Expresso”, que a morte de mãe de Morin, aos 10 anos, fê-lo «mergulhar numa experiência de luto, que de certa maneira moldará o que se torna um posicionamento mental, oscilante entre uma inquietação sem fim e uma esperança irreprimível».
«Ele viverá toda a vida tentando transformar esse contraditório balanço num movimento complementar, convicto de que cada polaridade transporta afinal consigo uma verdade: de um lado a dúvida sistemática e do outro a busca incessante de uma fé; de uma parte, o exercício metódico da racionalidade e, doutra, por exemplo, a abertura ao indizível entrevisto pela mística», aponta.
Depois de observar que a globalização, por si só, não torna o planeta mais solidário e fraterno, o bibliotecário e arquivista do Vaticano conclui: «Temos de ser nós a fazer valer eticamente as implicações da diversidade e da unidade, reconhecendo, como sugere Morin, que a diversidade humana é um precioso património da sua unidade, e a unidade humana é um bem inalienável da diversidade que nos caracteriza. O humanismo que Edgar Morin propõe é, assim, uma lição de inclusão e de esperança».
Papa Francisco, Edgar Morin | D.R.