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Domingo de Ramos, entrada de Jesus em Jerusalém: Uma dupla saída

Santa e grande! Dois atributos que, em todo o ano litúrgico, estão reservados apenas a uma semana: aquela que se abre com o Domingo de Ramos: Paixão do Senhor. A rubrica do missal que a introduz apresenta-nos desde logo um verbo central para compreender o sentido dos ritos que a caracterizam: “Ecclesia recolit”. A Igreja «faz memória» dos últimos atos da vida de Jesus, daqueles dias, lugares e ações narradas nos Evangelhos.

Mas na liturgia não estamos no teatro, não é a simples representação de um guião redigido por uma leitura anedótica da Escritura. É sempre celebração daquele mistério único de fé pascal no qual: «Anunciamos, Senhor, a vossa morte, proclamamos a vossa ressurreição, vinde Senhor Jesus».

São certamente dias únicos que as tradições de cada terra enriqueceram de usos, sagrados e profanos, que lhe testemunham o caráter extraordinário. Precisamente por isto as primeiras palavras da liturgia da Semana Santa são de advertência. É um convite a uma participação ativa e, sobretudo, consciente. Isto porque, nos dias grandes e santos, a Igreja é chamada não só a “fazer”, mas a viver, com unidade dos lábios e do coração, aqueles ritos únicos.

Comemorar a entrada do Senhor em Jerusalém tem testemunhos muito antigos. Precisamente naquela cidade, no século IV, «todo o povo caminha à frente do bispo entre hinos e antífonas, respondendo sempre: Bendito aquele que vem no nome do Senhor. E todas as crianças naqueles lugares, inclusive aqueles incapazes de caminhar, porque muito pequeninos, e que os seus pais levam ao colo, todos têm na mão ramos, quer de palmeira quer de oliveira; assim se acompanha o bispo na maneira em que então foi acompanhado o Senhor» (Egeria, “Peregrinação à Terra Santa”).



O Senhor devia ser acolhido com os frutos de todo o caminho quaresmal, com flores de virtude e palmas de vitória» sobre o pecado



Desde há séculos que a Igreja vive este momento como um “prelúdio” à Páscoa, respondendo a um convite que, na celebração, é confiado ao diácono: «Imitemos, irmãos caríssimos, a multidão que aclamava a Jesus na cidade santa de Jerusalém, e caminhemos em paz».

Na Idade Média, este convite a “imitar” era sentido com força singular e abria a leituras que não ficavam pela simples representação do Evangelho que o ministro tinha proclamado (Mateus 21, 1-11). A Igreja recolhia-se num lugar diferente do habitual, a celebração começava fora do edifício sagrado e era lida como imagem de uma Igreja “em saída”, melhor, duplamente em saída: com o corpo e com o espírito.

Quando o missal, hoje, chama prelúdio, para eles era “preparação” para celebrar a Páscoa através de uma profunda meditação daquela Escritura. A saída é a condição para encontrar o Senhor e ecoava o convite da Carta aos Hebreus: «Saiamos, então, ao seu encontro fora do acampamento, suportando a sua humilhação, porque não temos aqui cidade permanente, mas procuramos a futura» (13, 13-14).

O Senhor devia ser acolhido com os frutos de todo o caminho quaresmal, com flores de virtude e palmas de vitória» sobre o pecado, dizia Guilherme de Auxerre. Este teólogo parafraseava a antífona que antigamente seguia a proclamação do Evangelho da entrada do Senhor em Jerusalém: “Occurrunt turbae” (As multidões vão ao encontro do Redentor com flores e palmas, ao vencedor triunfante prestam digna homenagem. As gentes aclamam-no Filho de Deus e no nome de Cristo ressoa no ar o canto: «Hossana» (cf. João 12, 13)).



A Igreja é convidada a imitar as crianças precisamente na essência dos seus hinos de alegria. É a proclamação da ressurreição, acontecimento que não podemos calar em cada ato celebrativo



A Paixão já tem o perfume de vitória, e o que também hoje somos convidados a viver na celebração, ou seja, a unidade do mistério pascal, era entrevisto num pequeno detalhe: o número oito. Trata-se da cor sonora daquele canto que já fala da vitória de Cristo ao oitavo dia, aquele que não conhece ocaso. Uma vitória «em si e nos seus membros, pela qual chegamos [também nós] à vitória da ressurreição», comentava Guilherme de Auxerre.

Os “Versus Theodulfi”, aquelas hínicas palavras poéticas a Cristo Rei do bispo Teodulfo de Orléans (c. 760 – 821), são ainda um dos cantos que podem acompanhar os passos dos fiéis na procissão festiva. São palavras sapientemente compostas, inspiradas no Evangelho, que brotam da alma de um homem da idade carolíngia. Trata-se de um dos raros casos de canto liturgico que nos pergaminhos era copiado recordando o ilustre autor: «Gloria, laus et honor tibi sit» (Glória, louvor e honra a ti sejam, Cristo Redentor, de quem a virtude das crianças piedosamente cantou: «Hossana»).

Este refrão nos lábios de todos intercala versos que unem a história sagrada antiga com o seu enxerto no hoje celebrativo. Então, como neste domingo, a Igreja canta hinos ao seu «Rei bom e clemente que ama tudo o que é bom».

A procissão dos fiéis, neste dia, desfila seguindo um sinal particular. Após o turiferário com o turíbulo fumegante, as rubricas indicam que segue a cruz «ornada com ramos de palmeira ou de oliveira». Uma cruz sobre a qual são fixados ramos verdejantes. Não é mero ornamento, mas o símbolo de Cristo, madeira verde que retoma precisamente aquele versículo do Evangelho: «Porque, se tratam assim a árvore verde, o que não acontecerá à seca?» (Lucas 23, 31). E Cristo foi precisamente esse ramo verdejante que tinha em si todo o vigor das virtudes, e, apesar disso, não se subtraiu do caminho para a paixão.



Comemorar esta entrada do Senhor em Jerusalém é mais do que preparar-se para a Páscoa: é vivê-la! Imitar as crianças daquele dia é colher o convite a sair, a atravessar as nossas cidades com passos ritmados por cantos de alegria



De maneira muito sugestiva, para a entrada dos fiéis na igreja é indicado o canto de um responsório: «Ingrediente Domino in sanctam civitatem». A assembleia está prestes a tomar os seus lugares no salão litúrgico e logo depois escutará a longa narrativa da paicão do Senhor. Mas o canto quer já orientar essa escuta e toda a semana que se está para viver: «Seis dias antes da Páscoa, o Senhor entrou em Jerusalém e as crianças vieram ao seu encontro, com ramos de palmeira, cantando com alegria: “Hossana nas alturas. Bendito sejais, Senhor, que vindes trazer ao mundo a misericórdia de Deus”». A Igreja é convidada a imitar as crianças precisamente na essência dos seus hinos de alegria. É a proclamação da ressurreição, acontecimento que não podemos calar em cada ato celebrativo.

Comemorar esta entrada do Senhor em Jerusalém é mais do que preparar-se para a Páscoa: é vivê-la! Imitar os “pueri haebreorum” (as crianças dos judeus) daquele dia é colher o convite a sair, a atravessar as nossas cidades com passos ritmados por cantos de alegria e capazes de meditar «os ensinamentos da sua paixão, para merecermos tomar parte na glória da sua ressurreição» (oração coleta da missa do Domingo de Ramos).


 

Claudio Campesato
In L'Osservatore Romano
Trad.: Rui Jorge Martins
Imagem: joasouza/Bigstock.com
Publicado em 06.10.2023

 

 
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