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Jovens: desafios que a diversidade de modos de crer coloca à comunidade e espiritualidade cristãs

A complexa variedade dos modos de crer que as culturas juvenis apresentam, a sua fluidez, a cada vez mais rápida mutação no processo de busca de um sentido para a vida, de realização pessoal e social fora do enquadramento institucional das diversas comunidades religiosas, coloca a estas últimas importantes desafios. As comunidades cristãs são especialmente confrontadas com tais dinâmicas quotidianas na sua vivência interna e no trabalho pastoral. Confrontam-se com a premente necessidade de possibilitarem a estes jovens contemporâneos uma experiência de fé que lhes permita a vivência ao mesmo tempo autónoma, simultaneamente individual e comunitária, inculturada da sua fé, um caminho de busca que mantendo uma ligação à sua tradição e passado não os leve, contudo, a sentirem-se violentados na sua autonomia de experiência espiritual e de escolha individual, dois dos grandes valores da cultura atual.

Neste sentido, o primeiro desafio que o presente contexto cultural atual coloca às comunidades cristãs é o de proporcionarem aos jovens as oportunidades e condições necessárias para que façam uma experiência espiritual, pessoal, profunda e original, pois é ela que constitui a trave-mestra de toda a identidade religiosa crente. Tais oportunidades e condições passam pela necessidade de introduzir os jovens a uma experiência de oração, ao contacto pessoal com Deus, à experiência de um encontro consigo mesmos e com o Outro, sentido e pressentido como protetor, companheiro e horizonte último de sentido nas turbulências e complexidades que o mundo coloca, numa leitura existencial e espiritual dos acontecimentos. Desenvolver esta dimensão requer também a necessária formação para o discernimento da experiência interior e a formação de consciência moral religiosa como resultado de uma ação em linha com uma opção fundamental crente, no caso cristão, opção por Cristo e pelo Deus Uno e Trino que n'Ele se faz visível.

Se é verdade que importa saber "quem" ou "quê" se acredita, é todavia ainda mais importante, neste contexto atual, fazer emergir na consciência crente a relação entre os conteúdos da fé e a experiência viva de Deus, na Igreja e na comunidade humana, vivida não apenas como um conjunto de verdades racionais ou decretadas de modo puramente racional.

A pluralidade e multiplicidade de formas de crer, bem como as diversas correntes ou credos dentro de uma mesma tradição religiosa, colocam o desafio da vivência da relação com o diferente, com a unidade na diversidade, com contextos sincréticos onde se misturam várias influências. Neste sentido é um desafio particular do nosso tempo a busca de uma vivência da espiritualidade aberta à dimensão inter-religiosa e ecuménica, que leve a sério, na sua relação com a sociedade, a presença do Verbo noutras formas de crer não cristãs (ou não católicas) e descubra nelas, de modo vivencial e discernido, a possibilidade de uma comunhão com Cristo.

Foto

A deslocação da busca do sagrado desde o espaço das religiões instituídas, dos seus templos e comunidades restritas, para o espaço da secularidade, do quotidiano e do indivíduo, oferece ainda, na ótica do cristianismo, a possibilidade de uma redescoberta e mais profunda vivência do mistério da Encarnação do Verbo e do Mistério Pascal de Cristo. O Santo e o Sagrado, presente e oculto na secularidade do mundo, na aparente paganidade dos ritos, ritmos e sensibilidades seculares - mas crísticas porque humanas -, continua oferecido e disponível aos que se constituem atualmente "buscadores" de Deus - ainda sem saberem exatamente o "quê" ou "quem" procuram -, presente nas dimensões mais profundas da vida e delas emergente, de múltiplos modos.

É legitimo esperar que o Espírito de Cristo, presente e atuante neste contexto, inspire e suscite novas e originais formas de experiência espiritual, de vivência comunitária, na busca e relação com Deus próprias deste tempo.

Cabe às comunidades cristãs aprender um caminho de graça, que se cumpre num êxodo dos seus espaços tradicionais de busca, de celebração e do encontro com Cristo, para O reconhecer em lugares, experiências e dimensões novas da vida, reconhecendo nelas algo de positivo já presente e levando também um novo modo de as viver como experiência espiritual de encontro com Deus, que não é antagónico ao contexto cultural.

FotoJoão Paulo II

Gostaria de concluir este texto com umas linhas de Chiara Lubich, nas quais ela partilha a sua intuição e a sua prática de um modo de estar no mundo que é, simultaneamente, de profunda experiência de Deus, de alta contemplação do mistério da Encarnação e Páscoa de Jesus e que cabe viver na sociedade contemporânea:

Eis a grande atração
do tempo moderno;
atingir a mais alta contemplação
e manter-se misturado com todos,
ombro a ombro.

Diria mais:
perder-se no meio da multidão,
para impregná-la do divino,
como se ensopa
um naco de pão no vinho.

Diria mais:
participantes dos desígnios de Deus
sobre a humanidade,
traçar sobre a multidão recamos de luz
e, ao mesmo tempo, partilhar com o próximo a injúria, a
fome, os golpes, as alegrias fugazes.

Porque a atração do nosso, como de todos os tempos,
é o que de mais humano e mais divino
se possa pensar: Jesus e Maria:
o Verbo de Deus, filho de um carpinteiro;
a Sede da Sabedoria, mãe de família.

FotoBento XVI

Este é o grande desafio do tempo moderno: "atingir a mais alta contemplação e manter-se misturado com todos, ombro a ombro", descobrir Deus "misturado" no mundo como gota caída no cálice da humanidade. Em cada tempo e configuração social deve brotar, contudo, uma forma original de viver esta impregnação no mundo desde a inesgotável criatividade de Deus.

 

Esta transcrição omite as notas de rodapé.

 

Teresa Messias
Professora na Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa
In Communio, 2012/1
24.09.12

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