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As culturas juvenis frente ao fenómeno religioso: um mosaico de estilos ou modos de crer

Imersos no contexto cultural que procurámos ilustrar [ver ligações no fim deste artigo9, as culturas juvenis (indivíduos dos 15-29 anos) constroem a sua identidade crente, em Portugal como na Europa, num contexto caleidoscópico, fluido e mutante.

Antes de avançarmos com uma tentativa de caracterização dos diversos modos de crer das culturas juvenis, é necessário deixar claro que a tentativa de definir ou medir diretamente a identidade crente de qualquer pessoa (ou grupo), feita por um observador externo, é um intento vão. É-o não só porque a identidade crente está em permanente devir, mas sobretudo porque quem o pode fazer com rigor, explicando o que crê, porque crê e o significado que atribui ao ato crente, ou não, é o próprio sujeito. O que um observador externo pode (e deve) fazer é recolher um conjunto de indicadores, tão completo e fiável quanto possível, abarcando atitudes, práticas, valores e crenças, e a partir destes sinais fazer uma interpretação que tenha em conta os dados e o seu contexto. Deste modo apresentaremos em seguida alguns dados sobre o comportamento religioso dos portugueses, em particular da faixa dos 15 aos 29 anos, e de cidadãos de outros países da Europa, a partir dos quais procuraremos esboçar as diferentes modalidades de crer atuais.

Segundo os dados do INE provenientes dos censos nacionais, a percentagem de jovens de entre o total da população portuguesa era, em 1991, de 23,7% (faixa etária predominante a dos 15-19 anos, com 36,2%), caindo para 22% em 2001 (em que a faixa etária predominante é a dos 25-29 anos, com 36% do total de jovens).

Em 1998, segundo dados recolhidos em Portugal pelo Instituto de Ciências Sociais (ICS) em colaboração com o International Social Survey Program (ISSP), 89,3% da população declarou-se católica quando questionada sobre qual a sua religião no momento do inquérito. Os dados disponibilizados não permitem verificar a distribuição desta percentagem total pelos diferentes grupos etários. Mas esta alta taxa de afirmação cristã-católica deve ser depois contrastada com outras dimensões e indicadores, do que resulta um quadro heterogéneo dentro dos que se afirmam católicos: um grupo de católicos "tradicionais", onde se enquadram 43% dos portugueses, e outro "nominal e individualista", que corresponde a 46% da população.

FotoAna Belart

O primeiro é formado por um grupo na sua grande maioria que crê em Deus como amor, como "amigo e rei", que crê no céu e no inferno, que vai uma vez ou mais por semana à Igreja para celebrar ritualmente a sua fé e que reza com regularidade, auto-afirmasse como "muito religioso" ou "extremamente religioso", seguem as normas morais apresentadas pela Igreja Católica (também no campo da sexualidade e nas questões da vida), têm confiança na Igreja e nas organizações religiosas. No segundo grupo a afirmação de "catolicismo" é acompanhada de um grande relativismo, tolerância e individualismo na forma como é vivido e praticado, em relativa rutura com o catolicismo tradicional. A crença em Deus já admite, às vezes, algumas dúvidas sobre a sua existência e sobre se Ele se preocupa individualmente com os seres humanos. Têm dúvidas sobre a existência de outras crenças para além de Deus e ainda sobre a existência do "céu" e do "inferno". Frequentam a Igreja muito poucas vezes (apenas algumas vezes por ano e 13% nunca vão à missa) e rezam mas com pouca frequência (18% nunca rezam). Creem que a vida tem sentido para além da existência de Deus (76% discordam parcialmente que é Deus que dá sentido à vida).

FotoAna Belart

No que respeita à vida sexual apresentam notórias fraturas com a moral defendida pela Igreja Católica, no que respeita à aceitação de relações sexuais antes do casamento, à aceitação das relações homossexuais (20% acham que nunca são erradas), em relação à eutanásia consideram que é aceitável dentro de certos limites, e sobre o aborto manifestam também opiniões diferentes do magistério católico: 88% acham que nunca é errado quando existem fortes possibilidades de o bebé nascer com graves deficiências; 44% não censuram essa opção quando a família é pobre e não pode sustentar as crianças, e 67% acham aceitável a fecundação in vitro. Este segundo grupo de católicos é muito mais escolarizado que o primeiro.

FotoAna Belart

No inquérito de 1998 sobre hábitos religiosos, 6% dos portugueses é identificado ainda num terceiro grupo que J.M. Pais caracterizou como o dos "laicos, urbanos e elitistas". De entre estes, 56% afirmam nunca terem acreditado em Deus e 39% não sabem se Deus existe. Neste último sub-grupo 33% são pessoas que já acreditaram em Deus mas perderam a fé e agora não sabem se Deus existe.

Quando aos hábitos de oração, 89% nunca rezam. A maioria não acredita no "céu", nem no "inferno", nem na "vida depois da morte". Também os seus comportamentos no que respeita às questões sobre sexualidade (relações sexuais antes do casamento, homossexualidade) e ética da vida (eutanásia, aborto) são bastante liberais. Não vamos reproduzir aqui todos os restantes indicadores que José Machado Pais recolheu no inquérito, mas interessa-nos apresentar ainda um aspeto: 62% destes não crentes considera-se bastante feliz e são o grupo mais escolarizado.

FotoAna Belart

Uma percentagem indeterminada dos grupos acima apresentados é constituído por jovens entre 15 e 29 anos, o que mostra que, já em 1998, o modo dos jovens e das suas culturas juvenis se situarem frente à religião se repartia, pelo menos, por estes três grupos distintos.

Neste mesmo período de 1991 a 2001, segundo os dados recolhidos pela Igreja Católica através de Recenseamentos da Prática Dominical, a prática religiosa dos jovens católicos dos 15-24 anos desceu dos 15,4% para 11,5% de praticantes, ou seja, deu-se uma redução de 3,9%.

Tomando em consideração estes dados e cruzando-os com trabalhos de outros autores é possível esboçar um perfil da identidade crente dos jovens - perfil não rigoroso mas ainda assim realista - relativo à sua afirmação de pertença religiosa ou confessional, práticas religiosas, crenças, prática de oração, ideia ou noção de Deus, seguimento de normas ético-morais ou frequência de participação em ritos confessionais.

FotoAna Belart

Nesse esboço é visível que os modos de crer das culturas jovens, em Portugal como noutros países da Europa, apresentam-se variados e às vezes paradoxais. Constituem um verdadeiro mosaico complexo "de estilos crentes autoconstruídos", segundo as influências a que esses jovens são submetidos e a valoração pessoal que desenvolvem, podendo coexistir num mesmo indivíduo uma multiplicidade de influências religiosas e éticas de proveniência díspar, mas que são organizadas e integradas num comportamento crente que adquire sentido e, nalguns casos, confere horizonte de transcendência à experiência vivida.

No nosso contexto ocidental, no que diz respeito aos jovens que se afirmam como cristãos católicos, é também possível encontrar toda uma gama de modos distintos de viver essa pertença de fé, numa uma grande latitude de comportamentos, práticas, critérios. Podemos agrupar estas diferenças em grupos distintos, correspondentes aos estilos que se impõem: crentes militantes, "buscadores" dependentes, crentes autodidatas, não crentes refractários e indiferentes.

Foto Rocío Sols

E possível encontrar grupos de jovens que vivem a sua fé de um modo militante, com uma ampla receção da tradição cristã recebida das gerações anteriores, uma regular frequência dos sacramentos, uma aceitação profun­da, mais ou menos esclarecida, dos conteúdos doutrinais da sua confissão e uma norma ético-moral em estreita relação com o regulado pela comunidade estruturada. Estes serão, tudo parece indicar, uma minoria.

FotoAna Belart

A maioria dos jovens mantém a sua afirmação de identidade cristã ao mesmo tempo que a vive com uma grande flexibilidade (uma frequência religiosa inexistente ou ocasional/esporádica, uma frequência pontual dos ritos cristãos, uma grande liberdade de interpretação e vivência das normas éticas - sobretudo no que respeita a temas como a sexualidade ou o casamento), estando ao mesmo tempo abertos a novas formas de experiência de Deus (por vezes formas inter-religiosas), do divino, do transcendente, de partilha e intercâmbio comunitário e internacional dentro e fora dos horizontes da fé cristã. Nalguns destes jovens podemos encontrar uma mescla de conteúdos de crença, podendo encontrar-se quem se afirme cristão e creia na ressurreição e, ao mesmo tempo, não creia (ou não tenha nada contra) a reencarnação. Estão na categoria de "exploradores ou buscadores do divino", embora assumam a fé cristã (e católica) como o seu espaço religioso de referência.

FotoAna Belart

Entre os jovens que se afirmam "cristãos" ou "católicos" existem também aqueles que vivem esta afirmação de crença cristã-católica de um modo indiferente: indiferente a respeito das formas de organização da comunidade crente, das afirmações do magistério e das suas implicações, indiferentes quanto à prática da oração ou dos ritos da fé. Fazem parte de um certo modo "amorfo", não reativo, de crer.

Encontramos também os que se manifestam crentes (religiosos ou espirituais) apesar de não se identificarem com nenhuma forma estruturada ou comunidade religiosa instituída. Compõem o grupo que Canteras Murillo classifica de "crentes autodidatas ou buscadores independentes", que é formado por um conjunto de jovens com uma ampla formação intelectual, científica, e uma grande independência de grupos ou tradições religiosas. Neste grupo os processos sincréticos são muito amplos, buscando-se a relação com um princípio transcendente no meio de um extremo relativismo e flexibilidade crente, acompanhando de uma atitude nómada ou de uma peregrinação constante pelas diversas oportunidades e esferas do crer.

FotoAna Belart

Em todos os grupos formados por diversos modos de crer das culturas juvenis, é manifesta e valorizada a atração que exerce o testemunho de vida dados dado por personalidades de perfil religioso singular, sejam ou não cristãos. Permanecem válidas e sedutoras a coerência, a coincidência entre o dizer e o fazer e a particular sensibilidade para a necessidade de justiça social, de um crer que tenha repercussões sociais ao nível da distribuição dos bens, da implantação da paz no mundo.

 

Teresa Messias
Professora na Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa
In Communio 2012/1
Fotografias: Jornada Mundial da Juventude, Madrid, 2011
20.09.12

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