Neste tempo de emergência, no qual os decretos governativos procuram limitar os contágios da pandemia, vamos encontrar-vos nas obrigatórias clausuras das vossas casas (religiosas ou não), partilhando convosco aquilo que estamos a viver. De conventuais para conventuais. Ainda que dito assim seja sair do caminho… seria melhor dizer: de contemplativas para contemplativos (contemplativos na ação); para todos, indistintamente, numa forma “conventual”.
Esclareça-se, porém, que aquilo de que se preenche efetivamente a “hashtag” #euficoemcasa não é intermutável com aquilo que preenche o “recipiente clausura”, essa forma de separação do mundo (o papa Francisco diria «da mundanidade») à qual, de forma total ou parcial, todos somos chamados en virtude da vida religiosa.
Contemplativos/contemplativos na forma da clausura, isto é, da limitação dos contactos, seja escolhida ou imposta; mas mais ainda – e isto, no pensamento da Igreja, é verdadeiro também para nós, “conventuais de profissão” – na radicalização das relações fraternas, na partilha da vida, no cuidado pela vida espiritual pessoal e comunitária. Tudo lugares de evangelização e conversão praticáveis agora mais do que nunca.
«Faz paz em ti, e uma multidão encontrará a salvação», diz S. Serafim de Sarov: talvez através do coronavírus o nosso Deus, a quem a história humana nunca foge da mão, queira convidar-nos a todos a partilhar o trabalho do monge, que é a sua conversão. Porque o único espaço que podemos oferecer ao Reino de Deus entre nós é o do nosso coração. Não em abstrato: Deus incarnou-se para que nos seja possível “emprestar-lhe” a nossa carne, os nossos pensamentos, as nossas mãos, a nossa fantasia, e assim testemunhá-lo e anunciá-lo com a vida, com as obras e com a palavra.
O horário da nossa vida, como sabeis, é ritmado pela oração litúrgica e pessoal. Esta divisão toma uma boa parte do dia, e é feita com cadência regular, interrompendo toda a nossa atividade (da cozinha à costura, da sacristia à horta…) a cada três horas, aproximadamente. Os maiores “blocos” da oração são, respetivamente, colocados na manhã (cerca de 2h20: com a recitação do Ofício de Leituras, meia hora de meditação, as Laudes e – em tempos comuns – a Santa Missa), e ao anoitecer (1h30 entre meditação – ou adoração eucarística – e Vésperas). Os outros momentos de oração são constituídos pelas Horas Menores (Terça, Sexta, Noa, seguida do terço) e de Completas. Certamente, neste sentido, a obrigação de estar em casa não alterou nada, não nos obrigou a ter de acertar contas com espaços de tempo imprevistamente esvaziados do nosso apostolado missionário (essencialmente, além da própria oração, é constituído pelo serviço da escuta).
A epidemia, depois coincidiu com o início da Quaresma, tempo forte no qual suspendemos habitualmente as visitas ao parlatório e os telefonemas, para salvaguardar um ambiente de maior recolhimento entre nós. Um pouco como o ritmo da respiração, que, para manter o organismo vivo, alterna regularmente cheio e vazio. Esta espécie de “eremitização” da nossa vida remonta aos tempos de Francisco e Clara: portanto, estamos de alguma maneira treinadas à diminuição, um par de vezes ao ano, de algumas modalidades com que se exprime concretamente a nossa missão.
Com as irmãs estamos a experimentar um grande paradoxo: a emergência coronavírus como que dilatou o tempo. Estendeu em profundidade os dias. As horas fazem-se mais intensas. Intensas, não mais longas como quando se desperta durante a noite devido a doença porque no sono não chega: não, intensas. Preenchidas de um essencial que não pensávamos encontrar aqui. Precisamente numa emergência. O essencial da oração de intercessão, que planta existencialmente no centro do coração o mistério da Cruz em que tudo é reconciliado. Não porque a nossa oração tenha o poder de dobrar o coração de Deus, mas porque Ele está a interceder por nós, pelo nosso mundo «muito amado», e atrai-nos a ele.
Subsiste uma pergunta: podemos evitar sentir-nos inúteis quando acontecimentos imprevistos nos encostam à parede, tirando-nos algo de essencial da nossa maneira de amar, de dar a vida? Considerando aquilo a que sois chamados por vocação, isto é, a uma dimensão ativa de apostolado, na verdade torna-se impossível pensar que não seja uma componente fundamental a ser tocada pela limitação dos contactos. Talvez não se possa evitar o sentimento de, de alguma maneira, sentir-se inútil quando não é um elemento acessório que deixa de estar presente. Redefinir, queira Deus que por pouco tempo, a identidade de consagrados num carisma específico, fundando-a noutros aspetos da vida abraçada, talvez seja este o desafio que o Senhor nos lança.
Continua a ser verdade que somos fortemente chamados a redescobrir o e/Essencial. E isto só pode ser uma graça. Por isso, não nos esforcemos em preencher aquilo que ficou vazio, mas caminhemos juntos (do lado de cá e de lá das grades) até ao fundo na perda causada pela impotência e pela novidade. Navegando à vista, certamente, mas com a confiança de que o Senhor é pastor e precede-nos no caminho: para onde os seus passos se dirijam, a nós é pedido de colocar os nossos na sua peugada.
Mas não esqueçamos que a fantasia da caridade não é obrigada a estar dentro de quatro paredes: hoje temos muitas praças virtuais onde o Evangelho espera para ressoar e deve manifestar a proximidade de Deus.