Concílio Vaticano II - 50 anos
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Vaticano II: O cristão distingue-se no mundo, não para o castigar mas para o acolher

O concílio marcou o fim de uma posição defensiva, que concebia a Igreja como fortaleza entrincheirada e o mundo como o seu insidioso inimigo. Graças ao Vaticano II [1962-1965], a Igreja voltou a dialogar com o mundo e os cristãos a serem-no na sociedade, na companhia dos homens, no mundo moderno, sem evasões nem imunidade.

Se é verdade que em termos quantitativos os crentes são hoje menos numerosos do que no passado, ao ponto de se terem tornado minoria mesmo nos países da antiga cristandade (...), eles dotaram-se, no entanto, de uma consciência da sua identidade cristã bem mais profunda do que antes.

Nesta condição, a tarefa dos cristãos é a de dialogar com todas as mulheres e os homens contemporâneos, colocarem-se ao seu serviço, prolongado assim o serviço exercido por Deus com a sua humanização em Jesus. «Deus amou tanto o mundo que lhe deu o seu Filho unigénito» (João 3, 16); fez-se homem para servir os homens, e a Igreja prossegue esta diakonía, fazendo-se serva dos homens e anunciadora do Evangelho entre as gentes.

Os cristãos são por conseguinte chamados a viver na companhia dos homens; a sua pólis é a dos outros homens, diferentes pela cultura, fé, pertença étnica, língua e também código moral.

Pois bem, os homens perguntam-se ainda hoje, e talvez hoje mais do que no passado: «O que podemos esperar?». E nós, cristãos, deveremos exercitar-nos na sua escuta, sabendo bem que Cristo ressuscitado pode ser para eles a esperança eficaz de que a morte não é a última realidade, e que «o Espírito Santo a todos dá a possibilidade de se associarem a este mistério pascal por um modo só de Deus conhecido» (Gaudium et spes, 22).

Ora, tal comportamento pode estar em contradição com o status viatoris do cristão, constitutivamente estrangeiro e peregrino sobre a Terra, condição assim resumida pelo apóstolo Paulo: «A cidade a que pertencemos está nos céus» (Filipenses 3, 20). Sim, a Igreja é peregrina sobre a Terra, a sua cidadania é só o céu, onde os cristãos já não são «estrangeiros nem imigrantes, mas concidadãos dos santos e membros da casa de Deus» (Efésios 2, 19). Estas afirmações do Novo Testamento não pretendem, porém, convidar os discípulos de Jesus Cristo à evasão da história, a desligarem-se dos seus companheiros de humanidade, mas a permanecerem fiéis à Terra, enquanto continuam a procurar as coisas do alto.

Precisamente nesta sua capacidade de permanecer fiel à Terra, mas lutando contra os ídolos mundanos e mantendo vivo o horizonte escatológico, os cristãos podem dar um contributo essencial à pólis. Ela, com efeito, precisa de cristãos autênticos e amadurecidos que, capazes de se dedicarem ao bem comum e ao serviço dos homens, saibam torná-la mais habitável e se tornem artífices de uma melhor qualidade da convivência humana: uma convivência maioritariamente marcada pela exigência da justiça, da partilha, do perdão e da paz, e, como tal, capaz de contrapor caminhos comuns à barbárie dominante.

Em todo o caso, a Igreja não pode comportar-se como uma fortaleza assediada, mesmo se no horizonte surge um comportamento agressivo da parte do mundo não cristão. Desde os seus inícios, de facto, a Igreja sabe que a hostilidade em relação à mensagem do Evangelho não pode ser nem excluída nem evitada (cf. Marcos 13, 13; João 15, 20).

Quando os cristãos manifestam desconfiança na força evangélica própria do carácter desarmado da fé; quando projetam uma "religião civil" procurando instaurar defesas e tentando alianças estratégicas com quem quer que ofereça um apoio à força de pressão cristã na relação com a sociedade, então confundem a Igreja com o reino de Deus, projetando uma cristandade que pertence ao passado, que não pode ser ressuscitada e que, sobretudo, contradiz a boa notícia de Jesus.

Não se esqueça o que afirmou a "Gaudium et spes": a Igreja «não coloca a sua esperança nos privilégios que lhe oferece a autoridade civil; mais ainda, ela renunciará ao exercício de alguns direitos legitimamente adquiridos, quando verificar que o seu uso põe em causa a sinceridade do seu testemunho (...). Porém, sempre lhe deve ser permitido pregar com verdadeira liberdade a fé (...) e pronunciar o seu juízo moral, (...) e só aqueles meios que são conformes com o Evangelho e, segundo a variedade dos tempos e circunstâncias, são para o bem de todos» (n. 76).

Como gostava de repetir João XXIII, «não é o Evangelho que muda, somos nós que o compreendemos melhor». Graças ao Vaticano II, podemos afirmar que hoje compreendemos o Evangelho melhor que no passado, e precisamente por este motivo é maior o nosso débito para com a humanidade.

Como autênticos discípulos de Cristo, somos assim chamados a viver aquela que eu gosto de definir como "diferença cristã", ou seja, uma existência diferente no que diz respeito àquela de quem não se define cristão. E isto não por uma obstinada vontade de distinção, mas porque a vida dos cristãos, sendo modelada sobre a de Jesus Cristo, é efetivamente diferente da vida mundana: nenhum desprezo pelos homens nossos irmãos, mas a lúcida consciência de ser chamados a «estar no mundo sem ser do mundo» (cf. João 17, 11-16). Por outras palavras, ou na companhia dos homens saberemos ser como fermento na massa, como sal capaz de dar sabor, ou seremos aquele sal de que Jesus disse que, tendo perdido o sabor, «serve apenas para ser pisado pelos homens» (Mateus 5, 13).

E isto, repito-o, decorre com grande simpatia por todos os homens, dado que a fidelidade ao espírito do concílio ensina-nos que só na condição de ser vivido e narrado sob o sinal da misericórdia é que o cristianismo saberá ser eloquente; só uma Igreja que saiba usar misericórdia, que prefira sempre a "medicina da misericórdia" à vara do castigo, que tenha horror a esconder-se atrás do esplendor de uma verdade que cega e fere, só esta Igreja será capaz de narrar os traços do seu Senhor Jesus e de ser assim escutada pelos homens.

Neste exercício quotidiano, o Vaticano II está diante de nós como bússola capaz de orientar o caminho da vida cristã, como «novo Pentecostes», o qual fecunda intuições ainda à espera de serem plenamente realizadas; sim, o caminho traçado pelo concílio é verdadeiramente aquele a percorrer para conseguir «dilatar os espaços da caridade (...) com clareza de pensamento e com grandeza de coração» (João XXIII, 21 de abril de 1959).

 

P. Enzo Bianchi
Prior do Mosteiro de Bose, Itália
In L'Osservatore Romano, 30.11.2013
© SNPC (trad.) | 20.12.13

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