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Bento XVI nunca evitou diálogo com a cultura, diz antigo porta-voz do Vaticano

Durante uma década foi “o microfone” do papa. Ou melhor, de dois. Diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé de 2006 a 2013 sob o pontificado de Bento XVI e de 2013 a 2016 com Francisco ao leme da barca de Pedro, o padre italiano Federico Lombardi, de 76 anos, realizou a sua tarefa com garbo, equilíbrio e sem protagonismos.

 

Como foi trabalhar lado a lado com dois pontífices?

Tenho a recordação de um belo decénio de serviço, vivido numa ótica de mediação. Por um lado, tentei ajudar os colegas jornalistas a compreender os atos e os acontecimentos da Santa Sé, por outro, não deixei de apresentar às autoridades vaticanas observações e nós por desatar colocados pela opinião pública.

 

Com um papa comunicativo como Bergoglio, é fácil imaginar que tenha feito horas extraordinárias.

Ao início, na Sala de Imprensa, tivemos de compreender e adaptar-nos ao novo estilo. O imediatismo e a capacidade de entrar logo em sintonia com as pessoas, duas características chave de Francisco, surpreenderam-me positivamente, não só vós, jornalistas.

 

Mais complexa deve ter sido o tempo com Bento XVI, que teve de enfrentar a hostilidade ao seu pontificado de larga parte da imprensa, em luta com o relativismo e com um perfil mais teológico que pastoral…

É verdade, o papado de Ratzinger foi enquadrado desde o início sob premissas erradas. Pensava-se que Bento XVI era um censor, dado que tinha sido prefeito do ex-Santo Ofício [hoje Congregação para a Doutrina da Fé]. É verdade que considerou sempre os tempos atuais como a época do esquecimento de Deus, sublinhou, entre outros, os riscos do subjetivismo, todavia nunca evitou o diálogo, sem timidezes, com a cultura moderna.

 

Um papa gentil e capaz de escutar?

Eu encontrei sempre nele um desejo autêntico de compreender as razões do outro, inclusive quando o interlocutor não tem títulos especiais.

 

Alguma vez lhe manifestou qualquer género de sofrimento pelas críticas que recebia?

Falamos de uma pessoa corajosa nas suas ideias. Isto não significa que não tenha vivido momentos de profunda discussão interior ou que não tenha sofrido por algumas notas recebidas, especialmente quando provenientes da Alemanha. Em particular, recordo o momento da crise que se seguiu, em 2009, à revogação da excomunhão aos bispos lefebvrianos, entre os quais o negacionista Richard Williamson.

 

Nessa ocasião, Ratzinger foi acusado de abalar a sensibilidade dos judeus.

Sim, e indignou-se muitíssimo, reivindicando como em toda a sua vida deu prova cristalina do seu empenho em favor do diálogo e da compreensão recíproca com o povo judeu. Ele não conhecia das teses de Williamson.

 

Esses acontecimentos e o caso Vatileaks influenciaram a decisão de renunciar?

Sim e não. Outras preocupações, unidas ao cansaço de viajar pelo mundo e pela escrita de documentos contribuíram para enfraquecer as suas forças, verdadeiro e único motivo do passo atrás. Nego que tenha renunciado no seguimento dos escândalos.

 

Foi avisado da renúncia?

Soube-o pouco tempo antes, de maneira muito reservada. E não fiquei demasiadamente surpreendido.

 

A sério?

Em 2010, no livro “Luz do mundo”, Bento XVI tinha falado da possibilidade e, se fosse o caso, até do dever da parte de um pontífice de demitir-se quando sentisse que já tinha as energias necessárias para desempenhar um ministério tão exigente.

 

Como presidente da Fundação Ratzinger tem certamente maneira de o encontrar. Quando é que o viu pela última vez e como o achou?

Encontrámo-nos há alguns meses. Conserva uma memória surpreendente para um homem de 91 anos, sendo claro que a velhice progride e as forças diminuem. A voz é menos sonora e, para evitar quedas nas deslocações, utiliza uma cadeira de rodas, mas o que é importante é a sua presença mental e espiritual, que é total.

 

Bento XVI passará à história pela sua renúncia?

Dada a excecionalidade do gesto, é quase inevitável que isso aconteça. Dito isso, retenho que a herança de Bento XVI é muito mais ampla. Penso na sua preocupação por uma sociedade ocidental que multiplica os direitos humanos até os fazer entrar em contradição, como no caso da vida e de um presumível direito ao aborto. E falta ainda redescobrir a sua obra teológica sobre Jesus.


 

Giovanni Panettiere
In Quotidiano
Trad.: Rui Jorge Martins
Publicado em 08.01.2019 | Atualizado em 10.10.2023

 

 
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