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António Guterres reitera «profundo reconhecimento» ao papa Francisco

«A pandemia deve ser uma campainha de alarme. As ameaças globais exigem uma nova unidade e solidariedade.» A afirmação é do secretário-geral das Nações Unidas, o português António Guterres, em entrevista aos meios de comunicação do Vaticano, na qual defende que futuras vacinas ou tratamentos para o Covid-19 não devem ser «para um país ou uma região ou uma metade do mundo», mas ficarem «disponíveis para todos, em todo o lado».

«Preocupa-me, particularmente, a falta de uma adequada solidariedade com os países em vias de desenvolvimento – seja em fornecer-lhes o necessário para responder à pandemia do Covid-19, seja para fazer frente ao dramático impacto económico e social sobre os mais pobres no mundo», assinala.

Sobre o mundo pós-pandemia, António Guterres considera que «as desigualdades e as diferenças na proteção social que emergiram de maneira tão dolorosa devem ser encaradas». E acrescenta: «Teremos também a oportunidade de colocar em primeiro plano as mulheres e a igualdade de género para ajudar a construir uma resiliência a choques futuros».

Por outro lado, «o dinheiro dos contribuintes deveria ser utilizado para acelerar a descarbonização de todos os aspetos da economia e privilegiar a criação de trabalhos verdes». «Este é o tempo de sermos determinados. Determinados a derrotar o Covid-19 e a sair da crise construindo um mundo melhor para todos», sublinha.

 

Lançou recentemente um apelo para a paz no mundo atingido pela pandemia. Uma iniciativa que mais uma vez se liga às do papa Francisco – com quem se encontrou, no Vaticano, no final do ano passado, e com quem difundiu uma mensagem em vídeo –, que não deixa de pedir o fim de todas as guerras. O senhor disse: a fúria do vírus ilustra a loucura da guerra. Porque é que é tão difícil fazer passar esta mensagem?

Antes de tudo, queria reiterar o meu profundo reconhecimento ao papa Francisco pelo apoio dado ao meu apelo global para o cessar-fogo e pelo trabalho das Nações Unidas. O seu empenho global, a sua compaixão e os seus convites à unidade reafirmam os valores centrais que orientam o nosso trabalho: reduzir o sofrimento humano e promover a dignidade humana.
Quando lancei o apelo para o cessar-fogo, a minha mensagem às partes envolvidas em conflitos em todo o mundo foi simples: os combates devem cessar, de maneira que possamos concentrar-nos no nosso inimigo comum, o Covid-19.
Até agora o apelo recebeu o apoio de 115 Governos, de organizações regionais, de mais de 200 grupos da sociedade civil, para além de líderes religiosos. Dezasseis grupos armados comprometeram-se a pôr fim à violência. Além disso, milhões de pessoas assinaram um pedido de apoio pela internet.
Mas a desconfiança continua a ser grande, e é difícil traduzir estes compromissos em ações que façam a diferença na vida de quantos sofrem os efeitos dos conflitos.
Os meus representantes e enviados especiais estão a dedicar-se incansavelmente em todo o mundo, com o meu envolvimento direto onde é necessário, para transformar as intenções expressas em cessar-fogos concretos.
Continuo a exortar as partes em conflito, e todos aqueles que possam influenciá-las, a colocar em primeiro lugar a saúde e a segurança das pessoas.
Queria também recordar outro apelo que lancei e que considero essencial: um apelo pela paz doméstica. Em todo o mundo, com a difusão da pandemia, estamos a assistir também a um preocupante aumento da violência contra mulheres e jovens.
Pedi aos Governos, à sociedade civil e a todos aqueles que podem ajudar no mundo para que se mobilizem para proteger melhor as mulheres. Pedi também aos líderes religiosos de todas as fés para condenarem de maneira inequívoca todo o ato de violência contra as mulheres e as jovens, e para apoiarem os princípios fundamentais da igualdade.

 

Há alguns meses, bem antes da explosão da pandemia, falou do medo como a mercadoria mais fácil de vender. É uma questão que agora, nestas semanas, se arrisca a ser amplificada. Como contrastar, sobretudo neste difícil período, o sentimento de medo que se espalha entre as pessoas?

A pandemia do Covid-19 não é apenas uma emergência sanitária global. Nas últimas semanas houve um aumento das teorias da conspiração e dos sentimentos xenófobos. Em alguns casos os alvos foram jornalistas, agentes de saúde e defensores dos direitos humanos só por terem feito o seu trabalho.
Desde o início desta crise exortei à solidariedade entre sociedades e entre países. A nossa resposta deve basear-se nos direitos humanos e na dignidade humana. Convidei também as instituições educativas a concentrar-se no alfabetismo digital, e exortei os média, especialmente as sociedades da comunicação social, afazer muito mais para assinalar e eliminar conteúdos racistas, misóginos ou da mesma forma danosos, em linha com as leis internacionais sobre direitos humanos.
Os líderes religiosos têm um papel crucial a desempenhar na promoção do respeito recíproco nas suas comunidades, e também para fora delas. Encontram-se numa posição ótima para desafiar mensagens inexatas e danosas, e para encorajar todas as comunidades a promover a não-violência e a rejeitar a xenofobia, o racismo e todas as formas de intolerância.

 

Para alimentar o medo contribuem, seguramente, as falsas notícias, que recentemente denunciou como estando a ser cada vez mais difundidas. Como combater a desinformação sem arriscar, em nome desta batalha, ofuscar a liberdade e direitos fundamentais?

As pessoas no mundo querem saber o que fazer e onde se podem dirigir para encontrar conselho. Ao invés, são obrigadas a gerir uma epidemia de desinformação que, se corre mal, pode colocar vidas em perigo. Presto homenagem aos jornalistas e àqueles que controlam as informações na montanha de histórias e postagens desviantes publicadas nas redes sociais. Para apoiar esse empenho, lancei uma iniciativa das Nações Unidas de resposta às comunicações denominada “Verified”, para dar às pessoas informações precisas e baseadas em factos, encorajando ao mesmo tempo soluções e solidariedade enquanto passamos da crise à retoma.
Também os líderes religiosos têm um papel a desempenhar, utilizando as suas redes e as suas capacidades de comunicação para apoiar os governos na promoção de medidas de saúde pública recomendadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) – do distanciamento físico a uma boa higiene –, e para desmentir falsas informações e vozes.

 

Entre as informações infundadas que diariamente chegam à opinião pública fugiram, nestes dias, muitas críticas contra agências da ONU, como a OMS. Qual é o seu comentário?

Ao mesmo tempo que choramos as vidas perdidas por causa do vírus, angustia-nos o facto de que haverá muitas outras, especialmente nos lugares menos capazes de fazer frente a uma pandemia. Olhar para trás para ver como a pandemia se desenvolveu e a resposta internacional será essencial. Mas neste momento a OMS e todo o sistema das Nações Unidas estão a fazer uma corrida contra o tempo para salvar vidas.
Preocupa-me, particularmente, a falta de uma adequada solidariedade com os países em vias de desenvolvimento – seja em fornecer-lhes o necessário para responder à pandemia do Covid-19, seja para fazer frente ao dramático impacto económico e social sobre os mais pobres no mundo. A OMS e todo o sistema das Nações Unidas estão inteiramente mobilizados para salvar vidas, prevenir a carestia, atenuar a dor e planear a retoma.
Definimos um plano de resposta humanitária global de 7.6 mil milhões de dólares para as populações mais vulneráveis, entre as quais os refugiados e as pessoas deslocadas internamente. Até agora os doadores ofereceram quase mil milhões de dólares, e eu prossigo no meu empenho para assegurar que este plano seja financiado por inteiro.
As nossas equipas nos vários países estão a trabalhar em coordenação com os Governos para mobilizar financiamentos, ajudar os Ministérios da Saúde a serem preparados e apoiar as medidas económicas e sociais, da segurança alimentar e da educação em casa à transferência de dinheiro, e muito mais.
As nossas operações de paz continuam a desenvolver os seus importantes mandatos de proteção e a sustentar os processos de paz e políticos. As redes de distribuição das Nações Unidas foram postas à disposições dos países em vias de desenvolvimento, com milhões de kits para os testes, ventiladores e máscaras cirúrgicas que já chegaram a mais de cem países. Organizámos voos solidários para levar mais abastecimentos e pessoal a dezenas de países da África, Ásia e América Latina. E desde o início mobilizei as competências que a família das Nações Unidas dispõe para fornecer uma série de relatórios e informações sobre políticas, a fim de oferecer análises e conselhos para uma resposta eficaz e coordenadas da parte da comunidade internacional.

 

Vivemos num tempo em que se multiplicam os ataques ao multilateralismo. É preciso reforçar a confiança em relação às instituições internacionais? E como pode isso acontecer?

As colaborações e o contributo de todos os Estados – incluindo os mais poderosos – são essenciais não só para combater o Convid-19, mas também para encarar os desafios da paz e da segurança que se apresentam. São também essenciais para ajudar a criar as condições para uma retoma eficaz no mundo desenvolvido e naquele em vias de desenvolvimento. O vírus demonstrou a nossa fragilidade global. E esta fragilidade não está limitada aos nossos sistemas sanitários. Diz respeito a todos os âmbitos do nosso mundo e das nossas instituições.
A fragilidade dos esforços globais coordenados é evidenciada pela nossa falta de resposta à crise ambiental, pelo risco cada vez mais crescente da proliferação nuclear, pela nossa incapacidade de nos reunirmos para regulamentar melhor a internet.
A pandemia deve ser uma campainha de alarme. As ameaças globais mortais exigem uma nova unidade e solidariedade.

 

Aplaudiu, recentemente, a iniciativa europeia que visa o desenvolvimento da vacina contra o Covid-19. No entanto, a sua descoberta poderia fazer nascer em alguns a tentação de assumir uma posição dominante no interior da comunidade internacional. Como esconjurar este perigo? E como fazer para que, ainda antes de chegar a vacina, se experimentem os tratamentos que mostraram alguma eficácia?

Num mundo interligado ninguém está em segurança enquanto não estiverem todos. Foi esta, sem síntese, a essência da minha mensagem no lançamento do “ACT Accelerator”, isto é, a colaboração global para acelerar o desenvolvimento, a produção e o acesso equitativo a novos meios de diagnóstico, terapias e vacinas para o Covid-19. Deve ser visto como um bem público. Não uma vacina ou tratamentos para um país ou uma região ou uma metade do mundo – mas uma vacina e um tratamento que são acessíveis, seguros, eficazes, facilmente administráveis e universalmente disponíveis para todos, em todo o lado. Esta vacina deve ser a vacina das pessoas.

 

Como é que se pode fazer com que n aluta contra o vírus haja países de primeira liga e países de segunda liga? Arrisca-se também que a pandemia alargue em todo o mundo a diferença entre ricos e pobres. Como evitar que isto aconteça?

A pandemia está a trazer à luz desigualdades em todo o lado. Desigualdades económicas, disparidade no acesso aos serviços de saúde e muito mais.
Não podemos permitir que isto aconteça, e é por isso que continuo a pedir um pacote de ajuda global para uma quantia igual a pelo menos dez por cento da economia global. Os países mais desenvolvidos podem fazê-lo com recursos próprios, e alguns já começaram a concretizar essas medidas. Mas os países em vias de desenvolvimento precisam de um apoio consistente e urgente.
O Fundo Monetário Internacional já aprovou financiamentos de emergência par aum primeiro grupo de países em vias de desenvolvimento. O Banco Mundial comunicou que, com recursos novos e já existentes, nos próximos 15 meses pode fornecer financiamentos de 160 mil milhões de dólares. O G20 apoiou a suspensão do pagamento das dívidas para os países mais pobres.
Aprecio plenamente estas medidas, que podem salvaguardar pessoas, postos de trabalho, e extrair vantagens em termos de desenvolvimento. Mas mesmo isto não será suficiente, e será importante tomar em consideração medidas adicionais, entre as quais a redução da dívida, para evitar crises financeiras e económicas prolongadas.

 

Há quem sustente que após a pandemia o mundo não voltará a ser o mesmo. Qual poderia ser o futuro das Nações Unidas no mundo de amanhã?

A retoma após a pandemia oferece oportunidade para conduzir o mundo por um caminho mais seguro, saudável, sustentável e inclusivo. As desigualdades e as diferenças na proteção social que emergiram de maneira tão dolorosa devem ser encaradas. Teremos também a oportunidade de colocar em primeiro plano as mulheres e a igualdade de género para ajudar a construir uma resiliência a choques futuros.
A retoma deve andar ao mesmo passo da ação pelo clima. Pedi aos Governos para assegurarem que os fundos para revitalizar a economia sejam utilizados para investir no futuro, não no passado.
O dinheiro dos contribuintes deveria ser utilizado para acelerar a descarbonização de todos os aspetos da nossa economia e privilegiar a criação de trabalhos verdes. É este o momento para impor uma taxa sobre o carbono e fazer pagar quem envenena pelo envenenamento. As instituições financeiras e os investidores devem ter plenamente em consideração os riscos climáticos. O nosso modelo continua a ser o dos objetivos de desenvolvimento sustentável e o Acordo de Paris sobre alterações climáticas.
Este é o tempo de sermos determinados. Determinados a derrotar o Covid-19 e a sair da crise construindo um mundo melhor para todos.


 

Andrea Monda
In Vatican News
Trad.: Rui Jorge Martins
Publicado em 26.05.2020 | Atualizado em 07.10.2023

 

 
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