Por vezes sinto-me como aquele pobrezinho da mão seca que Jesus, antes de curar, coloca provocatoriamente no meio da sinagoga. Pergunto-me se também eu serei capaz de aguentar nessa posição, ou se será a lei, a eficiência, as preocupações e a necessidade de sucesso a ocupar de novo o centro da cena.
S. Paulo teve de acertar contas com o porquê do seu ódio, e sentiu que era amado na sua parte de treva. Eu tive de acertar contas com a timidez e as minhas mãos [cf. “Rumo ao amor, dia 2: O Deus dos gestos] para compreender que daí devia partir. Talvez é por isso que muitos esperam o outro como filho pródigo: tenho muitas vezes o instinto e a necessidade de ver, sentir e tocar, preciso de ir ao encontro sabendo que não conseguirei, talvez, curá-lo, mas experimento o mesmo ao amá-lo. O milagre não é a cura, mas o amor que conduz a cura.
Escolhi o método de trabalho segundo o meu temperamento e sensibilidade, sabendo que Deus me fez nascer porque queria dar à luz um sentido e sabendo que um verdadeiro mestre é cada homem e mulher que sofre e cada pedra rejeitada.
Estou reconhecido a Fabrizio De Andrè [cantautor italiano, incluído em antologias de literatura] que fala de um pescador que não julga mas que sacia a fome, de Piero que morre para não matar, de Tito, o bom ladrão, que não observou um só mandamento, mas que, da cruz ao lado de Jesus, diz ter aprendido a amar, de Marinella, a menina prostituta lançada ao rio, pela qual canta, como dirá, para «adoçar a sua morte». E por todos eles intercede com Deus: «Escuta a sua voz que agora canta ao vento, Deus de misericórdia, verás que serás feliz».
Quando será que em vez de dizer: «És um imundo», dir-se-á, com Jesus: «Quero, fica curado!».
À entrada da comunidade de Romena há uma placa: «Entra, esperávamos-te». Entra, tu que sentes que não contas nada, tu que não sabes libertar-te da resignação, tu que viste desaparecer sonho após sonho, tu que uma doença ou uma desgraça te conduziu à amargura sem esperança, tu que quererias voltar a dar outro rumo à vida, tu que andaste sempre a mudar de mulher, homem ou ideia sem nunca amares uma.
Há uma imagem do Evangelho que me é muito querida.
Uma mulher é surpreendida enquanto traía o seu marido. Pela lei de Moisés devia ser lapidada. Estão todos prontos com as pedras na mão, dos mais jovens aos mais velhos, com a mulher amedrontada e agachada no meio.
Jesus está próximo dela, e está a escrever a sua lei com o dedo na areia, premindo docemente, depois de durante anos ter sido escrita na pedra.
Diz uma só palavra: «Quem está sem pecado, atire primeiro a pedra!».
Detêm-se, depois começam a ir-se todos embora. Ficam Jesus e a adúltera, ali no meio, e naquele momento Jesus ergue o olhar e olha-a nos olhos.
Uma adúltera olha-se, habitualmente, de duas maneiras: ou com desejo ou com desprezo, ou se deseja ou se refuta.
Naquele entrecruzar de olhares não há nem desejo, nem desprezo, e talvez pela primeira vez aquela mulher sente-se uma mulher.
E aqui acontece a mudança. Jesus não lhe pergunta pelo elenco dos seus pecados, diz apenas: «Mulher, ninguém te condenou? Também Eu não te condeno, mas de agora em diante não peques mais».
O que é o pecado?
É entreter-se com ninharias, perder tempo.
Jesus é como se dissesse à mulher: «Não és feita para a mediocridade; de agora em diante não percas mais tempo, levanta-te, toma o teu fardo de vida e de pecado, e não voltes a cair na intrincada malha do vazio, do não-sentido, e caminha feliz para além das culpas e das expiações».
Consola-me pensar que fora do sepulcro é primavera.
É preciso sempre admirar-se com a humanidade, dado que cada homem traz consigo um mistério, e cada homem tem um seu canto inocente. Um dia, quando Santa Catarina de Génova se enraivecia com Deus contra os pecadores, Deus disse-lhe estas palavras: «Quando vieres de lá, verás que obra-prima Eu fiz de Judas».
Quando faremos cair as pedras das nossas mãos…
Somente quem sente verdadeiramente a densidade da sua treva pode concretizar em si a redenção , e somente quem, pelo temor das trevas sonhou a luz, pode encontrá-la.
É preciso olhar com serena sabedoria as suas culpas para não se angustiar por elas, mas para as considerar nas suas profundas raízes, para compreender as imaturidades que as causam, e para retomar a estrada, considerando os pecados como sombras que te indicam quanto falta ainda do caminho.