Quem exerce a profissão de psiquiatra ou de psicoterapeuta coloca no centro do seu trabalho a necessidade de “compreender”. Cada pessoa é um mundo complexo e delicado, ligado com fios múltiplos e por vezes intricados na vida dos outros. Nesta perspetiva, qualquer comportamento, mesmo quando não é partilhável, pode tornar-se compreensível se for lido no interior de uma história que é sempre única e singular.
A experiência ensina que quem trabalha sobre a sua história encontra sempre necessariamente ligações entre as suas dificuldades e os comportamentos dos outros. Se não se presta atenção, a responsabilidade daquilo que somos e de como nos comportamentos desloca-se insensivelmente para fora de nós: a partir do nosso pai e da nossa mãe que, com os seus limites, as suas faltas de amor, os seus erros, são muitas vezes individualizados como aqueles que condicionaram a manifestação dos nossos cansaços e dos nossos erros.
As nossas falhas e as nossas insuficiências tornam-se então não só compreensíveis, mas também justificadas, porque encontram a sua origem fora de nós, nesta cadeia sem fim das responsabilidades. Mas será mesmo que tudo o que se pode compreender também se pode justificar?
Temo que uma difusão imprópria e superficial de conceitos psicológicos complexos tenha acabado, aos poucos, por colocar em crise no sentir comum o tema crucial da responsabilidade pessoal, quer na vida familiar quer na vida social.
Na vida familiar, tornou-se difícil para os pais fazer compreender aos filhos a necessidade de aprender a responder pelas suas ações: não é raro, hoje, encontrar pais que continuam a carregar a responsabilidade pelos comportamentos dos filhos crescidos, como também é muito frequente que os filhos atribuam aos pais a culpa pelos seus insucessos ou a responsabilidade pelas distorções do seu carácter.
Mas também nas relações entre pares, como no casal, quando se verifica uma crise é sempre o outro que errou, e a atenção é totalmente concentrada nos seus defeitos, que se tornam causa e origem únicas das nossas legítimas “razões”.
No plano dos comportamentos sociais, esta deslocação da responsabilidade para fora de si representa um modelo atualmente muito espalhado, que deu origem a uma prática que segue a lógica inexorável da culpa: em toda a discussão, em todo o conflito, em toda a incompreensão, aquilo que conta é sempre encontrar um culpado, que nos permita fugir ao confronto com a complexidade e nos exonere da necessidade de mudar.
Encontrar um culpado por aquilo que não funciona ou faz sofrer representa, para a psique, um alívio imediato; combater o mal fora de nós é certamente mais fácil e menos doloroso que especificar o nosso envolvimento, coisa que exigiria assumir a responsabilidade de nós próprios e das nossas ações.
No entanto, a verdadeira liberdade consiste precisamente em assumir a responsabilidade de si próprio; aprender a responder, pelas próprias decisões, só por si.
Por isso, quando vimos de uma história difícil, a liberdade é agarrar a situação hoje e optar por deixar ir o passado, para viver da melhor maneira possível o presente; diante de alguém que nos insulta, liberdade é decidir, se o quisermos, não responder com o insulto. Diante de uma doença ou de um luto, liberdade é escolher como continuar a investir na vida; diante de alguém que nos faz mal, liberdade é decidir permanecer correto e não responder ao mal com o mal.
Se o quisermos, em cada momento da vida é-nos dada de novo esta liberdade: de corrigir aquilo que errámos, de deixar ir embora quem nos feriu, de esquecer as falhas, de usufruir plenamente do tempo presente. Na condição de deixarmos de carregar os outros com a nossa responsabilidade.