«Tomai a vida como uma nuvem que depressa passa no céu de verão, ou como a beleza de uma rosa que não dura para sempre.
Considerai a vida como uma casa em que não se pode ficar por muito tempo: podeis habitá-la dez, cem ou mil anos, mas no fim chegará o dia em que tereis de a deixar.
E dai ao dinheiro o mesmo valor que dais às pedras do caminho, porque se o gastardes não vos restará nada, e se o poupardes será como se tivesses poupado pedras.»
“Kalila e Dimna” é uma antiga recolha de fábulas morais da cultura persa, reelaborada por um escritor iraniano exilado na Holanda, Kader Abdolah, que se tornou um dos mais originais autores da atual literatura neerlandesa.
São páginas que misturam tradições indianas, árabes e persas, em narrativas que se encastoam continuamente entre elas, para uma meditação severa, que se adapta bem ao tempo quaresmal em que estamos imersos.
A lição é comum a todas as sabedorias. A beleza bem depressa se desvanece, a vida dissolve-se num movimento imparável, o dinheiro evapora-se e não consegue tornar-se fonte de verdadeira felicidade.
Há na citação uma imagem na qual nos detemos, a da casa da vida. É uma casa que não é feita só de paredes, dentro das quais se está bem, de objetos queridos, de joias e de livros, mas também de afetos, de prazeres, até de realidades tristes, às quais, no entanto, os moradores se sentem ligados.
Mais vezes deveríamos imaginar e prefigurar a separação de tudo isto, para transmigrar para aquilo que a tradição muçulmana designa como «a mais importante de todas as casas», o túmulo e o além. Um chamamento severo, mas salutar, à separação, com o olhar fixo naquilo que não perece e é eterno.
