O júri ecuménico presente na 69.ª edição do Festival Internacional de Cinema de Berlim, que terminou no domingo, atribuiu o prémio na competição internacional ao filme “Deus existe, o seu nome é Petrunya”. Mas a “Berlinale” foi também marcada pela exibição do filme “Graças a Deus”, sobre a pedofilia na Igreja católica em França, e que ganhou o Grande Prémio do Júri.
Realizado por Teona Strugar Mitevska, e resultante de uma co-produção da Macedónia do Norte (país de origem da cineasta), Bélgica, Eslovénia, Croácia e França, Deus existe, o seu nome é Petrunya” é um «retrato audacioso de uma jovem mulher desconsiderada que se torna militante dos direitos da mulher», referem os jurados.
A obra baseia-se num acontecimento ocorrido na pequena cidade de Stip: por ocasião da festa da Epifania, um padre ortodoxo arremessa uma cruz para um lago gelado, e os jovens presentes, tradicionalmente homens, mergulham com o objetivo de a apanhar. Mas em 2014, a “vencedora” foi uma mulher.
«Quando Petrunya intervém espontaneamente um ritual ortodoxo exclusivamente masculino, apanhando uma cruz lançada ao rio por um padre, ela quebra as tradições religiosas e sociais», prossegue a declaração do júri, que contou com a participação de membros da SIGNIS – Associação Católica Mundial para a Comunicação.
Os jurados sublinham que a recusa inicial da mulher em devolver a cruz «liberta a sua força interior face às convenções institucionais e revela Deus nela».
Em “Graças a Deus”, François Ozon aborda o peso do silêncio e da vergonha desde a infância até à vida adulta, provocada por um respeitado padre de Lyon, Bernard Preynat, que interpôs uma ação judicial, em nome da presunção de inocência, para impedir a exibição do filme nas salas francesas, pedido que o tribunal rejeitou esta segunda-feira.
O advogado do sacerdote considera que «apresentar durante duas horas como culpado um homem que ainda não foi julgado como tal, constitui um atentado à presunção de inocência».
«Fiz muitos filmes sobre personagens femininas fortes. Queria fazer um filme sobre homens que lutam para conseguir exprimir os seus sentimentos e emoções», explicou o cineasta.
A narrativa centra-se no doloroso percurso privado que conduziu os protagonistas a, numa primeira fase, recusarem falar sobre o assunto, unindo-se depois numa associação – A Palavra Libertada –, e fazendo queixa às autoridades judiciais, processo que ainda se encontra em curso, e que recentemente viu o arcebispo de Lyon, cardeal Philippe Barbarin, a prestar declarações em tribunal, acusado de encobrimento de abusos sexuais.
O co-produtor, Eric Altmayer, descreveu, à margem do festival de Berlim, as dificuldades encontradas para o financiamento da ficção baseada em casos reais, inclusive das entidades que sempre apoiaram os filmes de Ozon.
«Em Lyon fomos contra uma parede (…). Mas esta é uma história que não podia nascer sob censura. A verdade, para todos trágica e dolorosa, naturalmente em primeiro lugar para as vítimas, não pode conhecer, nem sequer no cinema, constrições», afirmou o cineasta.