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Nova "Communio" é dedicada ao Mistério Pascal

“O Mistério Pascal” é o tema da mais recente edição do segundo número de 2010 da “Communio”, revista internacional católica.

Henrique Noronha Galvão, diretor desta publicação trimestral, e M. da Graça Pereira Coutinho assinam a apresentação, que reproduzimos seguidamente.

«O Mistério Pascal constitui o centro de toda a vida e missão de Jesus, para o qual todos os mistérios da sua vida convergem. É pela páscoa, pela passagem da morte à nova vida de ressuscitado, que Jesus realiza plenamente a reconciliação de todos os homens com Deus e entre si. E assim que se dá a salvação daqueles que Deus criou para O alcançarem na plenitude da felicidade para eles reservada, mas da qual a soberba os afastara desde o início da sua história. A abundância do pecado porém dá ocasião, por Jesus Cristo, à superabundância da graça (cf. Rm 5,20) a que se acede pela fé.

A este mistério, cuja importância central foi por vezes esquecida, é dedicado o presente número da Communio no contexto da série dos mistérios da vida de Jesus.

ImagemJesus prepara-se para lavar os pés aos seus discípulos. Palma Giovane

José Tolentino Mendonça apresenta-nos o episódio de Emaús como um verdadeiro laboratório da fé pascal, em que os discípulos percorrem o caminho que leva da Jerusalém pré-pascal à Jerusalém pascal. Este percurso consiste na passagem do desejo de ver ao desejo de crer em Cristo Ressuscitado, e implica o acolhimento de Jesus não já como um forasteiro mas como o anfitrião que reparte o Pão e convida a partilhar a sua vida. Para o Autor, a hermenêutica pascal supõe Emaús na medida em que implica "o regresso ao Caminho, à Palavra e à Mesa da fração do Pão": "A sequência dos gestos de Jesus à mesa atesta que Ele não só toma o pão como se dá naquele pão, num gesto que reenvia para a dádiva total, na hora máxima da cruz."

ImagemÚltima Ceia de Jesus com os discípulos. Jaume Huguet

O Sábado Santo, e nele a descida de Jesus aos "infernos", constitui um aspeto fulcral da teologia do Mistério Pascal em Hans Urs von Balthasar. Paolo Martinelli expõe os aspetos fundamentais da perspetiva balthasariana sobre este tema. Confere particular destaque ao horizonte trinitário em que acontece todo o Mistério Pascal, explicitando depois a dimensão salvífica dessa descida à região dos mortos como expressão maior da solidariedade de Cristo com todos os homens, mesmo com os que desceram ao abandono extremo, "lá onde o Pai não pode ser encontrado". A descida de Jesus aos infernos é, numa imagem tipicamente balthasariana, Deus que abraça a humanidade "a partir de baixo": "aquela obediência até à morte de cruz, na qual em Cristo Jesus se constitui a nova e eterna aliança". O que não dá um conhecimento certo acerca da salvação de todos os homens nem anula a responsabilidade de cada um, mas legitima uma esperança fundada no gesto extremo de Jesus.

ImagemTintoretto

Gérard Rémy, inspirando-se num outro teólogo já falecido, François-Xavier Durrwell, explica-nos o sentido profundo da morte de Jesus Cristo à luz da ressurreição. Ela surge, então, como a expressão última da obediência filial de Jesus em que se realiza, no âmbito da sua humanidade, a "geração na morte" do Filho de Deus, a consumação final do ser filial de Jesus pela força do Espírito: "O paradoxo do Espírito de amor é realizar a comunhão a partir da separação, aliar a proximidade e a distância. É deste modo que o Pai gera o Filho, mas na morte aceite para ser vencida pelo poder do seu amor personificado pelo Espírito."

ImagemJesus reza, em agonia, no Jardim das Oliveiras, antes do processo que o levará à morte. Duccio di Buoninsegna

E que dizer da tristeza de Jesus no Getsémani? Na exegese de St. Ambrósio de Milão (séc. IV) sobre esta passagem dos evangelhos, Giorgio Maschio sublinha a sua grande profundidade inserida na tradição eclesial anterior. Trata-se de entender Jesus como Deus que assumiu verdadeiramente a nossa humanidade, partilhando da nossa condição com todos os seus afetos para assim nos trazer a salvação. Diz St. Ambrósio: "... ele teria sido para mim de menor proveito, se não tivesse tomado sobre si os meus sentimentos. Por isso é que se entristeceu por mim, ele que não tinha nenhum motivo para se entristecer por si próprio; e, posto de lado o gozo da eterna divindade, experimenta o tédio da minha enfermidade. Ele tomou sobre si a minha tristeza para doar-me a sua alegria, e desceu com os nossos passos até à angústia da morte, para nos fazer voltar à vida com os seus passos."

ImagemEcce Homo (Eis o Homem): Jesus, depois de flagelado e coroado com uma coroa de espinhos, é apresentado ao povo. Hieronymus Bosch

No artigo “Celebração litúrgica do Mistério Pascal”, Carlos Cabecinhas descreve a evolução do conceito de mistério pascal desde os primórdios do Cristianismo até à atualidade. Realçando a sua centralidade em todo o culto cristão, sublinha em particular o Tríduo Pascal, apresentado como uma unidade, um único conjunto celebrativo, centro de todo o ano litúrgico. Mais do que isso, numa palavra de L. Bouyer: "Todo o culto cristão não é mais do que uma celebração contínua da Páscoa". E numa outra formulação, também recordada neste artigo, João Paulo II afirma que "a liturgia da Igreja... tem como função primária reconduzir-nos a percorrer incansavelmente o caminho pascal aberto por Cristo, no qual se aceita morrer para entrar na vida".

ImagemJesus carrega a cruz a caminho do Calvário, onde será crucificado. Andrea di Bartolo

No que respeita à celebração do lava-pés, quer na liturgia do Tríduo Pascal quer na tradição beneditina, Olivier Quernadel considera que ela permanece um tesouro escondido. Terá ela, de facto, ainda sentido para a mentalidade de hoje? O Autor defende a necessidade de redescobrir o seu significado profundo de cuja atualidade não duvida. O lava-pés é expressão de um serviço humilde e recíproco, única forma de viver o amor e a fraternidade segundo o ensinamento e exemplo de Jesus Cristo.

ImagemJesus cai. Raffaello Sanzio

Em “Memória passionis. Breve leitura de Johann Baptist Metz”, João Duque apresenta a leitura do Mistério Pascal proposta por Metz. Estabelecendo uma ligação profunda entre a memória do Mistério Pascal e a memória do sofrimento dos homens, em particular dos inocentes, Metz chama a atenção para o perigo da amnésia cultural a que hoje se assiste e, consequentemente, para a importância de fazer memória. Mas João Duque deixa uma interrogação: "Como pensar, neste contexto, a força presente do amor que dá a vida pelo outro, precisamente na medida em que é um amor que sofre com o sofrimento do outro inocente? Não poderá ser a força desse amor, porque força de Deus-amor, precisamente aquela que dá força à memória e à esperança e, por isso mesmo, constitui o princípio salvífico universal, sobretudo para as vítimas inocentes?"

ImagemMatthias Grünewald

Em “A Última Ceia de Leonardo”, Timothy Verdon situa esta obra do pintor renascentista no contexto em que foi concebida ao ser destinada ao refeitório de um mosteiro, o que desde logo lhe imprime uma intenção clara de apelo ao compromisso de radicalidade de vida cristã assumido pelos monges. Percorrendo diversos sentidos subjacentes a esta pintura, Verdon, no âmbito do seu objetivo de caráter teológico-espiritual, destaca especialmente a dimensão psicológica, de interioridade, patente particularmente na figura de Cristo, dimensão que confere a esta pintura uma expressividade invulgar.

ImagemSepultamento de Jesus. Fra Angelico

À maneira de Depoimentos, foi recolhida uma série de vivências do Tríduo Pascal, segundo práticas que se distribuem pelas cidades do Porto e de Lisboa, e nas regiões do Alentejo, Algarve e S. Miguel nos Açores: “O ‘Compasso’, forma popular de celebrar a Páscoa (Manuel A. Ribeiro); “O Tríduo Pascal na Paróquia de Santa Isabel, Lisboa” (Maria C. de Lobão); “As Endoenças na aldeia de Safara” (António M. Aparício); “Procissão das tochas floridas. São Brás de Alportel” (José Cunha Duarte); “Os Romeiros” (Duarte Melo Ribeiro).

ImagemRessurreição. Piero della Francesca

Servem estes textos para documentar a importância, por um lado, da iniciativa e criatividade pastoral de párocos empenhados em que as comunidades cristãs tomem consciência da centralidade do Mistério Pascal na vida da Igreja e de cada um dos fiéis e, por outro lado, de toda a riqueza de uma religiosidade popular que mantém viva a memória dessa mesma consciência através de práticas por vezes muito antigas.

ImagemS. Tomé coloca o dedo na ferida aberta de Cristo, comprovando que o Ressuscitado é o mesmo que foi crucificado. Caravaggio

Na secção Perspetivas, são apresentadas Notas sobre a II Assembleia Especial para a África do Sínodo dos Bispos, redigidas por Pedro Bravo que acompanhou de perto o seu decorrer. Adotou como título, de modo sugestivo, a expressão África! Acorda, levanta-te e anda, inspirada no texto de Atos dos Apóstolos 3,6 em que Pedro fez um primeiro milagre em nome de Jesus ressuscitado. Procura, assim, traduzir a temática a que o Papa Bento XVI quis subordinar esta reunião dos principais responsáveis da Igreja do continente: A Igreja em África ao serviço da reconciliação, da justiça e da paz: "Vós sois o sal da terra... Vós sois a luz do mundo" (Mt 5,13.14). E sublinha um aspeto fundamental do modo como decorreu essa Assembleia: "...os bispos africanos, mesmo ao falar dos seus males, nunca perderam o sentido de humor e conseguiram ser sobretudo positivos, promovendo a esperança, reafirmando a opção pela vida, realçando as experiências de reconciliação, de promoção humana e de progresso bem sucedidas no continente, e apelando ao enorme arsenal de experiência humana, sabedoria milenar e valores culturais do continente africano, os quais, purificados, confirmados, robustecidos e radicalizados pelo Evangelho, podem ajudar os povos africanos a reencontrar a sua identidade e enveredar pelo caminho que favorece a reconciliação, a justiça e a paz."»

 

Henrique Noronha Galvão, M. da Graça Pereira Coutinho
In Communio, Abril/Maio/Junho 2010
19.11.10

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