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Igreja portuguesa adere às novas tecnologias para evangelizar

E ao sétimo dia apareceu o YouTube... pelo menos para o alto clero. Foi a partir de Fevereiro de 2008 que o bispo de Beja, D. António Vitalino, começou a utilizar a página da Internet de vídeos para se dirigir à população, mas foi só com a mensagem de Natal de D. Manuel Clemente, bispo do Porto, que o fenómeno teve a amplificação desejada. As novas tecnologias foram abraçadas pela Igreja Católica portuguesa, que vê nelas novas formas de evangelização.

O padre Américo Aguiar, um dos responsáveis pela comunicação do bispo do Porto, diz que foi "um modo novo para fazer chegar a mensagem às pessoas, sobretudo a pessoas diferentes" do habitual. E "resultou muito bem".

O Santuário de Fátima também aderiu. Desde quarta-feira passada que são transmitidas em directo pela Internet imagens a partir da Capelinha das Aparições, iniciativa que pretende responder aos "pedidos que os internautas fizeram chegar nos últimos anos" à instituição, explica Leopoldina Simões, responsável pela comunicação do santuário. "Desde há vários anos que chegavam mensagens, em especial via Internet, de pessoas devotas de Nossa Senhora de Fátima a solicitar que se possibilitasse a quem está mais longe uma imagem em directo do santuário", acrescenta.

"A Igreja percebe o tempo em que vive", justifica Paulo Rocha, director da Agência Ecclesia - agência noticiosa que se dedica à Igreja Católica. É com "naturalidade" que se usam as "ferramentas de comunicação adequadas aos dias de hoje."

 

'Não é o futuro, é o presente'

Na vida do padre Júlio Grangeia, essa "naturalidade" é vivida há muito. Apresentado como "o primeiro padre português na Internet", Grangeia mantém uma página pessoal desde 1997, onde disponibiliza notícias, descreve actividades organizadas pela paróquia, horários de atendimento e missas. O padre tem ainda uma participação activa na rede social Hi5 e os seus vídeos no YouTube são mais que frequentes. Grangeia explica: "Isto não é o futuro, é o presente", e lamenta que, apesar dos vídeos dos bispos, a Igreja "ainda não tenha despertado como devia para este assunto".

Para o padre Peter Stilwell, o uso das novas tecnologias está muito dependente da idade. O teólogo, director da Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa, diz que as pessoas que já têm uma certa idade terão mais dificuldade em adaptar-se. Relembra que, apesar dos esforços, "ainda há bastantes paróquias que não têm uma página na Internet, nem correio electrónico". São "adaptações que acontecem de uma forma lenta", analisa.

Por exemplo, na diocese de Leiria, o padre José Alves levou o karaoke para a igreja. Com a ajuda de três painéis, onde passam as letras dos cânticos, os fiéis acompanham mais facilmente a celebração. Um pouco mais a norte, a paróquia de São Martinho de Sande, em Guimarães, começou em Novembro a transmitir a missa em directo pela Internet.

Se por cá se começam a dar os primeiros passos, nos EUA a corrida às novas tecnologias por parte das igrejas não é recente. Em 2006, as paróquias americanas gastaram seis mil milhões de euros sobretudo em equipamento áudio e de projecção de vídeo. Com salas com ecrãs gigantes para onde são dirigidos os que chegam atrasados às missas, redes wi-fi [Internet sem fios], iluminações arrojadas e elaboradas salas de produção de vídeo, as igrejas assemelham-se cada vez mais a autênticas estações televisivas, com equipamentos apenas manobrados por voluntários como produtores, directores e electricistas.

 

A religião móvel

Na Europa, as preocupações parecem mais voltadas para os telemóveis. Na semana passada foi anunciado o breviário para o iPhone, o iBreviary. O livro de orações foi muito bem recebido pela comunidade cristã e, na fase experimental, já tinha sido descarregado dez mil vezes.

Na Polónia, a missa de Lublin já pode ser acompanhada em directo pelo telemóvel, por cerca de um euro. "Transmitimos todas as eucaristias, apesar de ser importante lembrar que escutar a missa através do telemóvel não é o mesmo que estar presente na igreja e assistir à liturgia ao vivo", diz o sacerdote Florian Gruca, pároco da igreja, que acha que "uma coisa não substitui a outra", opinião partilhada pelo teólogo da Universidade Católica Portuguesa João Duque. A Igreja pode "abraçar as novas tecnologias", mas é preciso um espaço alternativo, daí ser necessária uma reflexão, acrescenta.

E depois há a interactividade. O padre Grangeia diz receber uma média de 20 e-mails por dia, maioritariamente com dúvidas, umas mais simples, "fáceis de responder", outras que "exigem um estudo mais apurado, uma atenção redobrada na resposta".

Mas a troca de correspondência não tem de ficar-se pelas mensagens de correio electrónico. Mais uma vez, o exemplo vem dos EUA: na igreja de St. Paul's Collegiate, no Connecticut, os fiéis enviam SMS para o telemóvel do pastor Benjamin, que aproveita a substância das mensagens para integrá-las no seu sermão.

João Duque fala da necessidade de uma presença mais activa da Igreja no espaço público. Sobretudo, no novo espaço público proporcionado pelas novas tecnologias: "Se as pessoas se reúnem nesses novos meios, é lá que a Igreja deve estar."

Stilwell fala em "novos lugares de evangelização". "Antigamente, era preciso ajudar a transformar os lugares em convívio da fé cristã e agora passa-se exactamente o mesmo, mas em sítios diferentes."

 

Novas tecnologias não dispensam o contacto directo nas igrejas

Assistir a uma missa no ecrã de computador é igual a assistir numa igreja? Para Peter Stilwell, director da Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa, a questão não é nova e colocou-se quando a eucaristia começou a ser transmitida pela rádio ou pela televisão. Assistir à missa pela televisão ou pela Internet não são "experiências que se anulam, mas antes que se complementam", defende o director da agência Ecclesia, Paulo Rocha.

A ideia de complementaridade é partilhada pelo teólogo da Universidade Católica, João Duque, que acrescenta existir um elemento essencial para a vivência da fé: o contacto directo. A fé exige "uma relação entre quem transmite e quem recebe", explica. "Se a questão da fé fosse apenas uma questão de conteúdo seria irrelevante, mas a fé é também uma questão interpessoal, por isso, o contacto entre as pessoas é imprescindível. As novas tecnologias ajudam a um primeiro contacto, ao conhecimento, mas não dispensam um contacto directo", explica o teólogo. "Daí que o recurso às novas tecnologias exige uma reflexão de fundo", acrescenta.
"Tudo está mudar e isso não é excepção para os lugares de evangelização. Sempre foi preciso haver lugares de convívio da fé cristã" e também eles estão a mudar, continua João Duque.

A Internet é um lugar que "privilegia a interactividade", constata Peter Stilwell. Por isso, pode ser usada para transmitir uma mensagem e também para estabelecer o diálogo, porque podem ser feitas perguntas e obterem-se respostas. Embora ainda existam muitos "exemplos de uma presença passiva na Web, como a disponibilização de documentos e informação", a ideia é que a Internet possa "abrir portas a novos tipos de diálogo". Por exemplo, uma pessoa que normalmente não faria uma pergunta a um padre na igreja pode fazê-la no espaço virtual.

 

Como a Igreja está a usar a tecnologia para fazer passar a mensagem

Karaoke em Leiria
Mais de um ano depois de adoptar as telas do karaoke dos bares para o altar da Igreja de Monte Real, na diocese de Leiria, o padre José Alves faz um balanço positivo, apesar de não ter conseguido aumentar o número de fiéis. A funcionar desde a Páscoa de 2007, o sacerdote diz que as celebrações ganharam em qualidade, "mas a quantidade não aumentou". Inicialmente os paroquianos "ficaram um bocadinho admirados", mas Carlos Ferreira, um dos paroquianos, diz que "é melhor agora", já que o acompanhamento das missas é "mais fácil".

Missa na Internet
Foi em Novembro, e para ir ao encontro das "necessidades da Igreja", que a paróquia de São Martinho de Sande, em Guimarães, se equipou para poder transmitir as missas pela Internet. O padre Abel Abrantes disse na altura não conhecer "nenhuma situação idêntica, em que a missa de domingo possa ser vista em qualquer parte do mundo". Com cinco mil habitantes e cerca de 1500 participantes regulares nas cerimónias religiosas, a freguesia tem grande parte da população a residir no estrangeiro, sendo este um dos principais públicos-alvo das emissões.

Breviário no iPhone
Depois da Internet, a Igreja continua a apostar nas novas tecnologias. Por isso, desde a semana passada que está disponível o iBreviary, o breviário para o iPhone. O livro com as orações para as diferentes horas do dia já foi descarregado cerca de dez mil vezes. A aplicação foi desenvolvida por um padre italiano e foi lançada inicialmente em italiano, francês, latim, espanhol e inglês. Para breve estão previstas as versões em português e alemão. Com actualizações gratuitas, o download inicial custa 80 cêntimos e o dinheiro angariado reverte para causas de caridade.

Um padre no Hi5
O padre Júlio Grangeia, sacerdote católico que tem a seu cargo três paróquias da diocese de Aveiro, fala da necessidade de a Igreja abraçar cada vez mais as novas tecnologias. "O primeiro padre português na Internet", como se autodenomina, está online desde 1997, com site próprio. Os primeiros vídeos datam de Fevereiro de 2007 e, neste último ano, o número duplicou, chegando aos 171. Outra das apostas é a sua participação activa nas redes sociais: o número de amigos do padre no Hi5 quase triplicou entre 2007 e 2008.

Bispos no YouTube
O YouTube parece ser actualmente a grande aposta da Igreja para difundir os seus ensinamentos. Seguindo o exemplo do bispo de Beja, António Vitalino, que já tinha usado o maior serviço de vídeos na Internet para transmitir mensagens, este ano coube também ao bispo do Porto divulgar a sua mensagem de Natal pelo YouTube. Em paralelo, a diocese do Porto aproveitou a inovação para inaugurar o seu próprio canal de vídeos neste que é o site
mais popular de publicação e partilha de vídeos em todo o mundo.

Cláudia Lomba, Vera Monteiro

in Público, 04.01.2009

05.01.2009

 

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