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Fotografia

Da janela vê-se o Redentor

Vê-se a estátua de várias maneiras, com vários olhares. Uma delas é algo bem grande e sempre em primeiro plano. Saímos de um túnel, entramos em outro túnel, cruzamos uma avenida ou olhamos de uma janela e Ele, em seu pedestal, permanece intacto, dominando a cidade, um bem intransferível do carioca, património de sua alma. No entanto, ao fotografarmos essa imagem, percebemos como ela é pequena e distante, um pequeno detalhe na paisa­gem, um traço na silhueta de uma montanha.

Procurar o Cristo através de janelas, invadir casas e intimidades, observar a ordem interna das residências e a importância da paisagem que se avista nos fez rever velhos conceitos ópticos como os ângulos de visão e de perspectiva pura. Aprendemos que o nosso olhar é sobretudo cultural. A imagem inicial que formamos é fruto de um bombardeio primário: dos inúmeros cartões-postais e logotipos publicitários e, por isso, ela é sempre grande, uma imagem em destaque, limpa e sem defeitos na sua textura. Quem nunca viu aquele cartão em que o Cristo está de costas para a Baía e para o Pão de Açúcar?

"Vendo extraordinário quarto e sala em Botafogo, dependências, vista deslumbrante para o São João Batista e única para o Cristo Redentor. Dispenso intermediários. Tratar ... " Certamente, o futuro morador vai dizer: "Eu moro de frente pro Cristo". Um orgulho que é parte integrante do carioca, cultura que passa de pai para filho.

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Ele está, sem dúvida, distante ou é um detalhe na paisagem cada vez mais edificada, mas esse é o Cristo Redentor real, mudo e observador, valorizado na janela dos mais pobres e muitas vezes pouco percebido pelos mais ricos. Para Ele, somos iguais e comuns. Nada importa, pois, em breve, passaremos diante de seus olhos e seremos mais uma janela especial.

 

História

Em 1917 voltou à baila, revivido por Eduardo Limoeiro, um antigo projecto, formulado anteriormente pelo padre francês Pedro Maria Bos, em 1859, sugerindo a construção de uma estátua em homenagem a Jesus Cristo no alto do morro de Santo António. Daí seguiu-se uma discussão acalorada a propósito de decidir o melhor local para o monumento. Em lugar do morro de Santo António alguns defendem o Pão de Açúcar, outros o Corcovado. Afinal, no ano de 1921, constituiu-se uma comissão para definir a questão, que pendeu em favor deste último. Ao defender o Corcovado como sítio apropriado para receber a estátua, Morales de los Rios argumentou que ali o Cristo teria um imenso pedestal provido pela própria forma da montanha, que valorizaria sua imagem de todos os ângulos da cidade.

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No ano seguinte, para auxiliar o cardeal Arcoverde, muito adoentado, chegou ao Rio de Janeiro Sebastião Leme, que logo assumiu o projecto de instalação da estátua como se liderasse uma cruzada de grande prestígio para a Igreja. Apoiado na encíclica Rerum Novarum de Leão XIII, que deu origem a vários monumentos ao Cristo Redentor mundo afora, o futuro cardeal buscou apoio na sociedade católica fluminense para levantar os fundos necessários à realização do projecto. Com habilidade de estadista, Sebastião Leme aproveitou o momento para recuperar a força política da Igreja, seriamente abalada pelos movimentos revolucionários tenentistas da década de 1920 e pelo crescimento da esquerda no Brasil.

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No ano do Centenário da Independência brasileira, promoveu-se um concurso para escolher o projecto do monumento. Heitor da Silva Costa sobrepujou a Morales de los Rios. A ideia vencedora, contudo, acabou não sendo executada. Nela, o Cristo não tinha os braços abertos. Segurava uma cruz com a mão esquerda e o globo terrestre com a direita.

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O projecto sofreu uma série de críticas de arquitectos, artistas de renome e da população em geral, que logo apelidou o futuro Redentor de "Cristo da Bola". De facto, a própria ideia esteve ameaçada de não se realizar por completo. A Procuradoria da República negou licença para a construção do monumento em área pública, em nome do Estado Leigo e da separação entre este e a Religião.

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O cardeal Leme agiu rápido, apelando directamente ao presidente Epítácio Pessoa, conseguindo que ele revertesse o parecer legal. O passo seguinte do religioso foi envolver a população da maneira mais completa possível, de modo a conseguir apoio não apenas financeiro, mas também político. Era fundamental quebrar as resistências que partiam de alguns sectores da sociedade e ameaçavam a consecução do projecto.

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Fundos foram arrecadados nas paróquias de todo o Brasil, fazendo de cada católico um contribuinte para a edificação do monumento. Num acto de simbolismo ímpar, arregimentaram-se ao conjunto de doadores os índios da tribo Bororó. Também é significativa a escolha de Heitor Levy, um judeu, para ser o arquitecto da obra. Ao buscar apoio nos quatro cantos do país e nas diversas etnias e religiões, o cardeal Leme deu uma lição de tolerância e imprimiu, desde a edificação do monumento, o significado ecuménico que o acompanharia até nossos dias.

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Nos anos seguintes, Heitor da Silva Costa e seus colaboradores viajaram por Europa e Estados Unidos com a finalidade de estudar outras estátuas de grandes dimensões. Baseado em suas observações, ele modificaria diversas vezes o projecto original, até chegar ao modelo art déco que acabou por ser adoptado. Foi de uma fonte do Champs Elysées, na capital francesa, que Silva Costa tirou a ideia de cobrir a estátua com um mosaico composto por milhares de pequeninos triângulos de pedra-sabão.

Em Paris vivia o artista de origem polaca Paul Landowski, que esculpiu diversos estudos em maquetas que serviriam de modelo final para o monumento. A maior parte foi enviada ao Brasil, juntamente com os originais da cabeça e das mãos, feitos pessoalmente por ele, inspirado nas belas e longilíneas mãos de sua estagiária, a poetisa Margarida Lopes de Almeida.

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A posição actual da estátua, em forma de cruz, atendia a um anseio do cardeal Leme, que almejava comunicar ao monumento uma grande dose de simbolismo. Para chegar à concepção que serviu de modelo para Landowski, Silva Costa recorreu ao pintor Carlos Oswald, que após diversas tentativas chegou à versão definitiva em 1924.

Em 1926, finalmente se iniciou a construção, que duraria cerca de cinco anos. Dedicou-se especial cuidado aos cálculos estruturais, para que o monumento aguentasse o peso dos braços abertos sob a pressão dos fortes ventos do Corcovado. Também houve atenção à visibilidade da estátua, cuja posição foi pensada para que se a pudesse admirar a grandes distâncias e de diferentes pontos da cidade.

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Os triângulos de pedra-sabão foram preparados por voluntárias católicas, que trabalharam horas a fio no outeiro da Glória, colando-os a panos finos que depois eram aplicados à superfície da estátua. As mãos, assim como a cabeça, um verdadeiro puzzle de cinquenta pedaços enviados por Landowski, foram montadas em Niterói, Dentro da estátua, do lado esquerdo do peito, foi esculpido um coração de concreto.

Em 1931, com grande pompa e circunstância, medindo 38 metros da base à cabeça e pesando 1.145 toneladas, foi inaugurado o monumento. Novamente o cardeal Leme fez do acto um evento de prestígio para a Igreja Católica.

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Seiscentos padres e quarenta bispos de todos os cantos do Brasil foram reunidos no Rio para as festividades que duraram nove dias inteiros, desde 4 até 12 de Outubro [Dia de Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil]. Nesse último dia, enquanto as altas autoridades eclesiásticas e leigas apertavam-se no alto do Corcovado para testemunhar a bênção da estátua pelo Núncio Apostólico, a massa popular se comprimia no estádio do Fluminense, nas Laranjeiras, onde foi rezada uma missa campal. Às 10h15 da manhã, os sinos de todas as igrejas cariocas repicaram em uníssono durante três minutos. Às 16h, em culto celebrado na praia de Botafogo, o monumento foi oficialmente inaugurado.

Fotografia: Zeca Linhares
Textos: Arthur Dapieve, Pedro da Cunha e Menezes

in Da janela vê-se o Redentor, ed. Casa da Palavra

13.02.2009

 

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