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Azeite

Como oliveira verdejante na casa de Deus

A cada Quinta-feira Santa, na Missa Crismal (habitualmente durante a manhã), os padres congregam-se em torno do seu bispo, manifestando a unidade da Igreja. É também nesta celebração que são benzidos os óleos utilizados, ao longo do ano, nos sacramentos do Baptismo, Crisma e Unção dos Doentes. Este texto recorda a relação do azeite com as religiões e explica como o Judaísmo e o Cristianismo se apropriaram em termos corporais e espirituais das propriedades do fruto da oliveira.

Quem ensinou os homens a cultivar a oliveira e, por conseguinte, a produzir azeite? Há, evidentemente, diversas teorias, mas as mais interessantes têm as suas raízes nos céus, onde os deuses se confundem com o mito.

É a Ísis que os egípcios dão graças pelo dom da árvore sagrada. Casada com Osíris, o deus supremo da mitologia local e nascida numa boa família (o seu pai era Geb, deus da terra e sua mãe era Nut, deusa do céu), era apontada como modelo para as mulheres e mães e conciliava um predilecção pelos escravos, pobres e oprimidos com uma atenção especial para com aristocratas, ricos e jovens solteiras. Somado a tudo isto, diz-se que tinha jeito para a magia e era padroeira da natureza. Pelos padrões dos anos 60, uma espécie de mulher ideal.

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De entre as suas muitas qualidades, consta-se que terá ensinado aos egípcios a arte de cultivar a oliveira, incluindo a ciência da produção daquele líquido multifacetado e pleno de simbolismo que é o Azeite.

Os Gregos, porém, têm outra versão dos acontecimentos. Para eles, a mãe da Oliveira é Atenea. Esta deusa teve uma infância particularmente complicada. A sua mãe Metis, terá atraído o olhar de Zeus. Este deitou-se com ela mas, terminada a paixão arrependeu-se, lembrado da profecia segundo a qual esta teria filhos mais fortes que o progenitor. Perante tal alternativa tomou a opção mais sensata e engoliu Metis por inteiro, esperando assim ter acabado com qualquer perigo de concorrência futura. Mas era tarde de mais, Metis já havia concebido e meses mais tarde foi com alguma surpresa e desconforto que Zeus viu Atenea nascer-lhe da testa, ainda por cima vestida e armada.

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Anos mais tarde, como qualquer deus que se preze, Atenea procurou um reino para apadrinhar. Tentou a sua sorte com uma das poucas cidades que ainda não tinha nome, mas viu-se na difícil posição de concorrer com o deus do mar Poseidon. Reconhecendo uma oportunidade de lucro, os cidadãos desafiaram os deuses a dar-lhes um presente. O melhor seria retribuído com a fidelidade dos cidadãos.

Poseidon não se fez rogado e imediatamente fez brotar água da terra. Era um bom presente e deu aos homens os meios para se virem a tornar um povo de conquistas marítimas, mas chumbou uma importante prova, a água era salgada e imprópria para beber.

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Alertada para o factor gastronómico, Atenea ofereceu uma oliveira mansa. Esta providenciava lenha, azeitonas e azeite. A cidade ficou rendida e, fielmente, adoptou o nome Atenas em reconhecimento.

Milhares de anos mais tarde, os padres de Atenas, com as suas longas barbas, vestes negras, e cruzes peitorais, olham de soslaio esse passado pagão, mas mantêm o gosto pelo líquido que lhes conserva as lamparinas acesas, e cultivam com igual amor as oliveiras nos hortos dos seus mosteiros. Mas não nos adiantemos.

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“Os teus filhos serão como rebentos de oliveira ao redor da tua mesa” (Salmo 128, 3)

Terá sido no seio das mitologias acima descritas que nasceu o judaísmo. Abrão, pouco impressionado pelos infindáveis panteões dos povos à sua volta, decidiu adorar o Deus único, um soberano do universo sem paralelo nem par. Em troca, este Deus, que não tem nome, promete-lhe uma descendência maior que os grãos de areia no deserto, mais numerosa que as estrelas no céu e muda-lhe o nome para Abraão.

Estamos perante um Deus de alianças, um Deus que não se cansa de celebrar com o homem pactos que inevitavelmente são rompidos pela fraqueza humana. Antes de Abraão já outras alianças tinham sido firmadas, uma delas a seguir ao terrível dilúvio com que o Senhor destruíu a sua própria criação, arrependido que estava de ter dado origem a tão funesta criatura. Apenas uma família escapa, Noé, sua mulher e seus filhos. Durante 40 dias andam à deriva sobre as águas, esperando o sinal que indica que chegou a hora de descer e retomar a terra.

ImagemPicasso

O sinal chega finalmente, no bico de uma pomba. Um ramo de oliveira é a prova de que a terra está de novo habitável. Numa só passagem vemos toda a simbologia atribuída à oliveira ao longo dos milénios. Regeneração e esperança, paz e perdão, fertilidade e vida. O Deus que perdoou os homens e lhes quer dar uma segunda oportunidade fá-lo saber através de um simples ramo de oliveira, entregue na boca de uma pomba.

Mas voltemos à descendência que Deus prometeu a Abraão. Esta chega mas falta-lhe uma terra onde se possa considerar em casa. Sempre providente, este Deus de Israel conduz os hebreus da escravatura para a liberdade, entrega-lhes, de mão beijada, uma “terra de trigo e de cevada, de parreira, de figueira e de romeira; terra de oliveira que dá azeite, e de tamareira” e deixa a recomendação: “louvarás ao Eterno, teu Deus, pela boa terra que te deu”.

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Começa aqui uma longa e frutífera relação do povo de Israel com a oliveira, a azeitona e, sobretudo, o azeite.

Ainda no árido deserto, Deus fala a Moisés e ordena-lhe que aceite oferendas em Seu nome. “Aceitareis essa oferta de todo o homem que a fizer de bom coração”, explica o Senhor, mas para que não haja confusões, há uma lista de ofertas aceitáveis. Ali, no meio do ouro, das pedras preciosas, do carmesim e da pele de golfinho, está sempre o Azeite.

O líquido obtido da azeitona é agradável ao próprio Deus dos Deuses e nas instruções meticulosas que deixa para regular os sacrifícios que lhe são devidos, figura com muita frequência. Ora para untar as bolachas sem fermento, ora para amassar os bolos igualmente não levedados, ou então misturado com incenso, não há holocausto considerado digno do Senhor que não contenha azeite.

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Excepto num caso: o livro do Levítico menciona um sacrifício no qual é proibído derramar azeite: “Não lhe deitará azeite nem lhe porá incenso, porque é um sacrifício pelo pecado” (Levítico 5:11).

Mas a principal função do azeite nos tempos da travessia do deserto é de iluminar. Israel caminha em busca da terra prometida mas não caminha só. Na Arca da Aliança encontram-se as tábuas da lei que Deus deu a Moisés e que ele partiu na sua fúria ao ver que o povo se tinha deixado encantar pela idolatria. Na arca habitava nada menos que a presença de Deus, e essa sacralidade era assinalada em permanência com uma Menora, o candelabro de vários braços que ainda hoje é um símbolo do judaísmo, constantemente a arder: “Ordena aos filhos de Israel que te tragam azeite puro, de azeitonas trituradas, para o candelabro, a fim de que a lâmpada esteja permanentemente acesa” (Levítico 24:2).

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“Com óleo puríssimo me ungistes” (Salmo 91, 11)

Avançamos até cerca do ano 1000 antes de Cristo, quando um homem santo, de seu nome Samuel, procura Jessé, um pai de família, e pede para ver os seus filhos. Quando o pequeno David é-lhe apresentado Samuel compreende que é este o escolhido para liderar o povo. Para, selar essa escolha  procura o óleo sagrado, azeite misturado com especiarias segundo uma receita detalhadamente descrita pelo Senhor, que transportava consigo para o efeito, e unge-lhe a fronte. “E, a partir daquele momento, o Espírito do Senhor apoderou-se de Davi” (1 Samuel 16:13).

Desde esse dia o óleo não mais andou longe das cerimónias de coroação, não só em Israel como em todas as civilizações que herdaram a sua espiritualidade, com particular destaque para Clovis, rei dos francos, que após a sua conversão a Cristo foi coroado imperador e ungido com um óleo trazido milagrosamente do céu por uma pomba.

ImagemVan Gogh

A relação de David com o azeite e com as oliveiras é especial. É ele quem constrói para o Senhor um templo em Jerusalém, um local onde o culto se pratica ininterruptamente e para o qual são necessários milhares de litros de azeite, para manter aceso o candelabro, segundo os desejos expressos por Deus. A própria madeira de oliveira é utilizada na construção do templo, nomeadamente nas portas que separam o espaço comum do Santo dos Santos, o local mais sagrado, onde apenas os sacerdotes podiam entrar e onde se guardava, até ao seu desaparecimento, a Arca da Aliança.

Para garantir a produção do azeite, as oliveiras não podem faltar. A árvore ganha por isso uma importância política importante. O seu corte é expressamente proibido, um ministro é designado para cuidar das oliveiras e estas são mantidas sob guarda permanente. Compreende-se, a falta de azeite no templo é impensável.

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O futuro revelará que os cuidados de David e dos seus sucessores são sábios. Centenas de anos depois do grande rei judeu Israel estava sob ocupação e o culto no templo tinha sido profanado. A revolta foi liderada pelos Macabeus, uma família devota que se recusava a ceder perante a pressão para adorar os ídolos dos ocupantes.

Expulsos os estrangeiros, o templo foi limpo e purificado e acendeu-se novamente a menora. Mas as reservas de azeite tinham sido desguarnecidas, e por essa razão havia apenas óleo suficiente para manter a chama acesa durante um dia. Para fabricar mais azeite seriam necessários pelo menos oito dias e eis que, por milagre, a chama se manteve acesa durante o tempo necessário para a produção de mais azeite.

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Deste fenómeno nasceu o festival das luzes. Todos os anos os judeus devotos recordam o episódio e a forma como Deus os ajudou a recuperar a sua independência e reatar o culto, numa celebração de oito dias a que se chama Hanukah.

 

“Ouvi uma voz que dizia (...) mas não estragues o azeite nem o vinho.” (Apocalipse 6, 6)

Avancemos pouco mais de um século até à vida daquele que deu origem ao cristianismo. Enquanto judeu, Jesus sabia perfeitamente qual o valor do azeite e da oliveira na cultura do seu povo. O próprio título por que veio a ser conhecido, Cristo, significa “O Ungido”, e não há unção que não contenha o fruto da oliveira.

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Em Jerusalém, desiludido com o mercado em que se tinha transformado o templo, refugia-se habitualmente no monte que fica sobre a cidade, conhecido como o Horto das Oliveiras.

É para lá que se encaminha, “como era seu hábito”, finda a ceia da Páscoa nas vésperas da sua morte. Lá se ajoelha em oração e chora. Chora convulsivamente, lágrimas tão grossas que mais parecem gotas de sangue.

Pelo menos oito das oliveiras que ainda sobrevivem nesse local são contemporâneas de Cristo. Apenas elas vigiaram enquanto todos os seus amigos dormiam naquela sua pior hora.

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Preso e humilhado o Senhor é levado até aos sacerdotes para ser julgado. Segundo a tradição cristã, Anás estava ocupado e por isso os carrascos prenderam Jesus a uma árvore enquanto esperavam.

Também essa oliveira ainda existe. Um mosteiro arménio foi construído no local e todos os anos as azeitonas são recolhidas cuidadosamente. Tudo se aproveita. Dos caroços fazem-se terços que se dizem milagrosos.

O cristianismo herda uma grande parte da devoção ao azeite e às oliveiras do judaísmo. Ainda hoje essa influência é visível, entre outras coisas, nos santos óleos do crisma, do baptismo e dos enfermos, benzidos todos os anos com grande cerimónia na Missa Crismal, celebrada na Quinta-feira Santa. Quatro dos sete sacramentos cristãos requerem a utilização do azeite sob uma destas formas.

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A árvore a que São Paulo recorreu para simbolizar a entrada dos gentios (“oliveira brava”) no povo da aliança do Senhor (“a raiz de onde vem a seiva da oliveira”), continua a desempenhar um papel importante na simbologia cristã. Plantada em nome da paz e cultivada em memória da paixão de Cristo, os seus troncos continuam a ser matéria prima de eleição para objectos sacros.

Pelo menos parte do fascínio dos povos pela oliveira tem a ver com a sua tremenda resistência e capacidade de regeneração. Nas condições certas a árvore é praticamente imortal. Nas secas mais agrestes o pior que pode acontecer é deixar de dar fruto durante uma temporada ou outra. Foi o que se passou este ano [2010], por exemplo, no olival do Monte das Bem-aventuranças em que apenas uma árvore produziu azeitonas e que, se falasse, diria como o próprio Papa João Paulo II, que a abençou na sua visita à Terra Santa em 2000, “como oliveira verdejante na casa de Deus, confio para sempre na sua misericórdia”.

FotoOliveira plantada por João Paulo II a 20 de Março de 2000

 

Orações de bênção dos óleos na Missa Crismal

Bênção do Óleo dos Enfermos
Ó Deus, Pai de toda a consolação!
Por Vosso Filho, Vós quisestes aliviar as dores dos enfermos!
Atendei com bondade à oração da nossa fé.
Enviai do céu o Espírito Santo Consolador
sobre este óleo que Vos dignastes produzir da árvore
para refazer as forças do corpo humano.
Com a Vossa † bênção,
sirva a quantos forem com ele ungidos
de auxílio do corpo, da alma e do espírito,
para alívio de todas as dores,
fraquezas e doenças.
Seja por Vós abençoado, Senhor,
para nosso bem, este óleo santo,
em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo.

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Bênção do Óleo dos Catecúmenos
Ó Deus, fortaleza e protecção do Vosso povo,
que fizestes do óleo o sinal do vigor,
dignai-vos abençoar † este óleo;
concedei a fortaleza aos catecúmenos
que serão com ele ungidos,
a fim de que, recebendo a sabedoria e a força do alto,
compreendam melhor o Evangelho de Vosso Filho,
defrontem com grandeza de ânimo os trabalhos da vida cristã,
e tornados dignos da adopção de filhos,
se alegrem com a graça de renascer
e viver na Vossa Igreja Santa.
Por Nosso Senhor Jesus Cristo, Vosso Filho,
na unidade do Espírito Santo.

FotoBento XVI sopra para dentro da âmbula do Crisma, num dos ritos previstos para a bênção dos óleos. Reuters

Consagração do Crisma (I)
Oremos, irmãos caríssimos, a Deus Pai todo-poderoso,
para que abençoe e santifique este óleo;
e os que forem ungidos com ele no seu corpo,
sejam também ungidos em sua alma
e se tornem dignos da salvação eterna.
Ó Deus, autor de todo o crescimento e progresso espiritual,
aceitai benignamente o louvor agradecido que,
pela nossa voz,
a Igreja vos tributa com alegria.
Fostes Vós que, no princípio,
dissestes á terra que produzisse árvores de fruto;
entre elas nasceriam as oliveiras,
cujo precioso óleo havia de servir para o santo crisma.
O Vosso servo David, antevendo em espírito profético
os sacramentos da Vossa graça,
cantou a alegria que ao rosto dá o óleo perfumado;
e quando os crimes do mundo foram lavados nas águas do dilúvio,
uma pomba anunciou a paz restituída aos homens,
mostrando, no ramo de oliveira,
o símbolo dos dons futuros.
Este mistério manifestamente se realiza na plenitude dos tempos,
quando lavados nas águas do Baptismo todos os crimes cometidos,
a unção deste óleo dá ao nosso rosto beleza, serenidade e paz.
Também a Moisés, Vosso servo,
confiaste o mandato de constituir sacerdote,
pela infusão deste óleo, a seu irmão Aarão
depois de purificado pela água.
Honra maior se veio juntar a esta,
quando Vosso Filho Jesus Cristo, Nosso Senhor,
exigiu de João que O baptizasse nas águas do Jordão;
foi então que, enviando do alto, em forma de pomba,
o Espírito Santo,
declarastes por palavra que Vosso Filho Unigénito
era todo o Vosso enlevo
e comprovastes que Ele era o Vosso Cristo,
ungido como ninguém com o óleo da alegria,
conforme cantou o profeta David.
Todos os concelebrantes estendem a mão direita para o crisma, até ao fim da oração, sem dizerem nada.
Por isso, nós Vos pedimos, Senhor,
dignai-Vos santificar e † abençoar este óleo,
e comunicar-lhe a virtude do Espírito Santo,
pelo poder do Vosso Cristo,
de cujo Nome santo recebeu o nome de crisma;
com ele ungistes os Vossos sacerdotes, reis, profetas e mártires;
convertei este crisma em sacramento de salvação e vida perfeita
para aqueles que hão-de ser renovados no santo Baptismo;
recebida a unção santificante,
e superada a corrupção do primeiro nascimento,
sejam templos da Vossa majestade
e exalem o perfume de uma vida santa;
segundo o mistério do Vosso plano salvador,
recebam a dignidade real, sacerdotal e profética
e sejam revestidos da graça e da imortalidade:
para os que renascerem da água e do Espírito Santo,
seja este óleo crisma de salvação,
e os torne participantes da vida eterna e da glória celeste.
Por Nosso Senhor Jesus Cristo, Vosso Filho,
na unidade do Espírito Santo.

 

Filipe d'Avillez
In Az-Zaite - Revista oficial da Casa do Azeite [excepto "Orações de bênção dos óleos na Missa Crismal"]
27.03.13

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